sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

César Felício - Oposição no Senado mostra coesão

Valor Econômico

Parece provável que a fatia de senadores alinhados com a direita dura cresça nas eleições de 2026

O placar de 47 votos a 31 no Senado pela aprovação de Flávio Dino para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) é sugestivo para o governo Lula em relação ao futuro, tanto no curto quanto em um hipotético segundo mandato. Sobre o curto prazo: está delineado que a oposição na Casa é bastante coesa, e, no limite, pode barrar uma emenda constitucional ou convocar uma CPI. O escore obtido na votação de Dino é quase idêntico, por exemplo, ao registrado na reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para o comando da casa, derrotando o líder da oposição, Rogério Marinho (PL-RN). Na votação de fevereiro desse ano, Marinho conseguiu 32 votos e Pacheco, 49. A tropa tem se mantido unida.

Sobre o médio prazo: é bastante provável que a fatia de senadores alinhados com a direita dura cresça nas eleições de 2026. A próxima disputa eleitoral irá renovar duas vagas por Estado, ou 54 cadeiras. A última, de 2022, trocou uma cadeira. Dos 54 lugares a serem trocados daqui a dois anos, 31 são consistentemente governistas, 18 claramente da oposição e cinco são de difícil classificação. A base anti-Lula hoje corresponde a aproximadamente 40% do Senado, mas nas vagas que estarão em disputa na próxima eleição este percentual cai para 30%.

O governo tem uma relação extremamente difícil com a Câmara, mas isso se dá em função da força do Centrão comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira, e não propriamente da oposição, que é menos coesa do que no Senado, embora tão estridente ou mais.

Na Câmara, Lira reelegeu-se sem adversários. No Senado, o bolsonarismo foi capaz de articular uma candidatura própria. Na Câmara o PP, partido de Lira, compõe a maioria. No Senado, a minoria. Grande parte dos problemas do governo na Câmara se resolvem em conversas entre Lira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O encerramento desse ano legislativo deve demonstrar isso novamente, noves fora os vetos presidenciais derrubados. Uma migração de seis ou sete senadores para essa oposição coesa pode ter desdobramentos sérios para o governo, na hipótese de uma reeleição de Lula em 2026.

Ainda existem governistas remanescentes em Estados que votam majoritariamente na oposição, como Acre, Rondônia, Roraima, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Goiás, que podem perder suas vagas em um quadro de polarização mantido para 2026 como tudo indica que irá acontecer. Uma base oposicionista no Senado maior já poderia ameaçar de fato indicações do governo para o Supremo ou dar tração à aprovação de pautas-bomba.

Um Senado com mais oposicionistas pode criar para um eventual segundo mandato de Lula um cenário de minoria nas duas Casas. O retrato se aproximaria daquele de 2015, que culminaria no impeachment de Dilma Rousseff no ano seguinte. Hoje já se conversa no Congresso sobre propostas que recortam poderes do Executivo, como o semipresidencialismo. É uma ideia que pode ganhar impulso no futuro. Perante governos minoritários, o Legislativo se agiganta.

Se Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, fez um alerta durante a conferência eleitoral do partido para o risco do Congresso “engolir a gente” se a popularidade de Lula baixar, e a popularidade de Lula está baixando, o que ela não dirá se a bancada da oposição no Senado ficar maior? Há dúvidas, dentro do PT, se o partido está preparado para o desafio da renovação. O quadro nas demais siglas de esquerda é ainda pior.

O ex-presidente Jair Bolsonaro está inelegível, é certo, mas o quadro de polarização não precisa dele para continuar existindo. A direita não para de produzir novos quadros, a esquerda tem dificuldades para se renovar.

A esquerda hoje, de certo modo, faz a defesa do “status quo”, como admitiu um veterano dirigente petista. Cresce a dependência em relação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, muito condicionada a um bom desempenho na economia que está longe de ser garantido.

Marta e a renovação

Um retrato da dificuldade de renovação está em São Paulo, onde Lula estará neste sábado, levantando a mão do seu candidato a prefeito da capital, Guilherme Boulos (Psol). A ex-prefeita Marta Suplicy, há quase 20 anos fora do cargo, pode compor a chapa para a eleição municipal na capital, que promete ser dificílima. Boulos repetiria assim a estratégia de 2020, quando teve como parceira de chapa Luiza Erundina (SP), que governou a cidade 31 anos atrás. A ideia é ter ao lado alguém com experiência administrativa e trânsito na periferia.

Há muito barulho dentro da sigla, mas um veterano dirigente petista observa que qualquer processo de discussão interna que se faça hoje no partido é um mero despiste: quem escolherá de maneira imperial a parceria para a chapa de Boulos é Lula, com quem a ex-prefeita reatou há muito tempo. Marta só não irá se não quiser. Pode ser que não queira. Ela faz parte do secretariado de Ricardo Nunes e seu nome chegou a ser sugerido também para vice do atual prefeito, em um balão de ensaio do presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto.

Sabedor de suas poucas forças, o PT definiu uma política de alianças bastante ampla para 2024 e tem poucas apostas próprias nas capitais. Uma é Natal, outra Fortaleza, quem sabe Vitória ou Teresina. Em São Paulo, elegeu quatro prefeitos em 2020, projeta eleger 30. Vai crescer, partindo de um patamar bastante baixo. Mas o PL vai crescer muito mais.

 

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