No cenário tumultuado do século XX, a
dicotomia entre capitalismo e socialismo emergiu como uma força motriz que
moldou não apenas sistemas econômicos, mas também definições fundamentais de
liberdade e igualdade, enquanto os defensores do capitalismo argumentavam
fervorosamente pela liberdade individual e pela economia de mercado, os
socialistas buscavam uma redistribuição mais igualitária da riqueza produzida.
No cerne da defesa capitalista estava a premissa da liberdade individual.
Pensadores como Friedrich Hayek argumentavam que a liberdade individual era
intrinsecamente ligada à economia de mercado, proporcionando escolhas e
oportunidades para todos, para Hayek, a intervenção do estatal no mercado
comprometeria a liberdade, resultando em um cam inho perigoso em direção à
tirania do Estado.
A defesa capitalista pela liberdade tem suas raízes profundas na filosofia
liberal do século XVIII, pensadores como Adam Smith e John Locke fundamentaram
a ideia de que a liberdade individual é essencial para o progresso econômico e
social, segundo eles, a mão invisível do mercado, guiada pela busca do
interesse próprio, resultaria em benefícios coletivos. A Revolução Industrial
ampliou as divisões econômicas e sociais, mas também estimulou o crescimento
econômico, defensores do capitalismo, argumentaram que a intervenção mínima do
Estado era crucial para preservar a economia, pois qualquer interferência
representaria uma ameaça à autonomia individual. Entretanto, a realidade social
testemunhou muitos equívocos dessa visão.
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
sábado, 9 de dezembro de 2023
Cláudio Carraly* - A falsa dicotomia ideológica entre liberdade e igualdade
O capitalismo, em seu avanço, muitas vezes resultou em disparidades extremas de
riqueza e poder, os defensores da liberdade individual eram desafiados a
reconciliar a busca do interesse próprio com a necessidade de limitar excessos
e garantir uma distribuição mais equitativa dos benefícios, garantindo um
mínimo de estabilidade social. Na década de 1980, o governo de Margaret
Thatcher no Reino Unido implementou políticas neoliberais, desregulamentando
mercados e promovendo de forma extrema a chamada liberdade econômica, essas
ações, embora tenham impulsionado o crescimento econômico, também exacerbaram e
aprofundaram as desigualdades sociais, aumentando o abismo entre pobres e ricos
no Reino Unido.
Em contraste, os socialistas, influenciados por pensadores como Friedrich
Engels e Karl Marx, viam a igualdade como a chave para uma sociedade mais
justa. A propriedade coletiva dos meios de produção era vista como a ferramenta
para eliminar disparidades econômicas, para os socialistas, a liberdade individual
muitas vezes era vista como ilusória em um sistema que perpetuava
desigualdades, o direito coletivo estava acima do individual, ao longo do
século XX, várias nações experimentaram formas diversas de socialismo, gerando
uma resposta ao mundo sobre as desigualdade econômica e liberdade desassistida
do mercado. Também a social-democracia europeia buscou uma solução a esse
impasse, numa tentativa de síntese política, reconhecendo a importância do
mercado, mas também defendendo um papel ativo do Estado na promoção da
igualdade social, essa busca confrontou frequentemente a defesa da liberdade
individual, o dilema central residia em como equilibrar a igualdade econômica
sem comprometer as liberdades individuais, isso se reflete em debates sobre
impostos progressivos, programas sociais e regulações estatais.
Ocorre que, tanto as perspectivas socialistas quanto capitalistas, ancoradas
nesse pseudo-dilema entre igualdade e liberdade, estavam equivocadas, os
direitos fundamentais da humanidade apresentam como desenho basilar que todos
esses são indivisíveis, inter-relacionados e interdependentes, sendo
insuficiente respeitar alguns desses direitos e outros não, portanto a premissa
de hipertrofia da liberdade sobre a igualdade e vice-versa estão erradas em sua
gênese. A perspectiva consolidada na Declaração Universal, destaca essa
indivisibilidade, a liberdade e a igualdade são vistas como interligadas,
desafiando a noção criada de que uma deve estar em oposição a outra, a busca
por uma sociedade que harmonize liberdade e igualdade, parece simples, mas, na
verdade, enfr enta desafios práticos.
As garantias dos direitos civis muitas vezes entram em conflito com as
estruturas econômicas existentes, equilibrar a autonomia individual com a
responsabilidade coletiva continua sendo um desafio complexo. Inúmeros foram os
países que tentaram conciliar esses princípios, como os modelos escandinavos,
indicando que é possível buscar altos padrões de vida e igualdade, mas não sem
enfrentar debates constantes sobre os limites da intervenção estatal sobre a
vida das pessoas. O movimento pela garantia dos direitos civis nos Estados
Unidos ilustra como a luta pela igualdade racial estava intrinsecamente ligada
à chamada busca pela liberdade, porém, Martin Luther King Jr. demonstrou que a
liberdade individual só seria verdadeiramente alcançada quando o c oletivo dos
cidadãos tivesse igualdade de oportunidades.
Em um mundo em constante evolução, a busca por um equilíbrio entre liberdade e
igualdade continua a desafiar sociedades e líderes, destacando a importância de
considerar ambos os princípios na busca por um futuro mais justo e humano. Essa
perspectiva surge como um farol, apontando para a necessidade de encontrar um
balanço entre esses princípios aparentemente antagônicos, a história revela que
a resposta não reside em extremos, mas na busca contínua por sistemas que
reconheçam a indivisibilidade e interdependência de todos os direitos, todos!
Sejam esses, direitos econômicos, sociais, culturais, políticos, religiosos,
sexuais, dentre tantos, assegurando que toda humanidade tenha oportunidade de
viver vidas dignas e plenas. Como vimos, a liberdade e a igualdade não são
mutuamente exclusivas, reconhecendo que a liberdade só pode ser plenamente
realizada em uma sociedade profundamente justa e igualitária, e essa não
prosperará sem um sentimento profundo de liberdade.
*Advogado, ex-secretário executivo de Direitos Humanos de Pernambuco
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