Revista Veja
O horário integral nas escolas exige planejamento do governo
O descuido histórico com a educação faz propostas antigas
continuarem atuais. Quando voltou de sua pós-graduação nos Estados Unidos, há
quase 100 anos, Anísio Teixeira trouxe a ideia da escola em horário integral.
Para um país que nem praticava matrícula para todos, sugeriu que a criança
brasileira estudasse parte do dia em uma “escola-classe” tradicional, com
quatro horas, continuando as aulas em uma “escola-parque” para arte, esporte e
reforço escolar. Solução insuficiente, mas considerável avanço diante da triste
realidade do sistema educacional na época.
Nas décadas de 1920 e 1930, no cargo de inspetor-geral do ensino na Bahia e depois como secretário da Educação do Rio de Janeiro, ele implantou esse modelo em forma experimental. Em 1950, quando secretário de Educação, inaugurou em Salvador o Centro Educacional Carneiro Ribeiro: uma “escola-parque” que atende no contraturno complementar 4 000 alunos de quatro “escolas-classe”. Foi o primeiro modelo de educação integral pública no Brasil, embora ainda de forma complementar. Em 1960, repetiu a experiência em Brasília, onde até hoje há cinco “escolas-parque”. Foi necessário esperar mais de vinte anos para Darcy Ribeiro, no governo Brizola, adotar o horário integral dos Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) em parte do sistema educacional do estado do Rio de Janeiro. Dez anos depois, o presidente Fernando Collor levou os Cieps para o Brasil, criando algumas centenas de unidades desse tipo com o nome de Ciacs (Centros Integrados de Atendimento à Criança).
“O descuido histórico com a educação faz propostas antigas
continuarem atuais”
Mais três décadas foram necessárias até que, em 2023, o atual
governo federal lançasse o programa Escola em Tempo Integral, prometendo
recursos financeiros aos municípios e estados que desejem alongar a permanência
diária dos alunos nas escolas. Nada indica que a execução dessa intenção
ocorrerá na amplitude territorial, nem na profundidade pedagógica que se
necessita. Não há demonstração expressa de vontade política e prioridade
nacional pela educação de base, faltam instrumentos administrativos federais que
induzam os governos locais, as escolas não têm condições físicas nem de pessoal
para implantar horário integral e os recursos financeiros previstos são
insuficientes: 4 bilhões de reais para três anos, em um país com quase 50
milhões de crianças em idade escolar.
Se realmente tivesse a vontade de oferecer um sistema público em
horário integral para todas escolas do país, o governo federal deveria definir
e implantar estratégia de médio prazo, pela qual assumiria, em cronograma
viável, a responsabilidade pela educação de base em todo o território nacional.
Seriam Cieps ou Ciacs implantados por cidade, como no programa iniciado em
2003, no primeiro governo Lula,
com o nome de Escola Ideal, e proposto desde o Senado à presidente Dilma. Mas,
considerando a falta de ambição para implantar um sistema nacional em horário
integral, um caminho seria a adoção do secular modelo de Anísio Teixeira,
implantando “escolas-parque federais” ao lado das “escolas-classe municipais ou
estaduais”.
Em alguns anos, seria possível implantar uma rede de
“escolas-parque federais”, que atenderiam com horário complementar todos os
alunos das “escolas-classe municipais ou estaduais”. No lugar de simples
intenção, sem condições de gerar o efeito que o futuro exige, o governo federal
daria um passo concreto na direção de ampliar a permanência de toda criança na
escola.
Publicado em VEJA de 8 de dezembro de 2023, edição nº 2871
Interessante, mas pouco realista. Não haveria escolas-parque federais em número e distribuição geográfica suficientes para atender "todos os alunos das escolas-classe municipais ou estaduais", mas poderia ser algo viável para capitais e grandes municípios, porém jamais atingiria milhares de pequenos e médios municípios do país. A visão histórica e crítica do colunista ajuda a analisar melhor a situação, mesmo que sua proposta não pareça viável.
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ResponderExcluirO Cristovam tem toda razão. Confesso que, como ele, não acredito que a escola em horário integral será adotada tão cedo, quando pretendeu o legislador. O projeto do Anísio Teixeira foi um protótipo. Fui aluno, em Brasília, do CIEM - Centro Integrado do Ensino Médio - uma experiência também de horário integral no ensino médio, inspirada em Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, mantida pelo Estado - e ela fracassou. Entretanto, fui estudei, com bolsa do MEC, em uma escola particular, no interior de Minas Gerais, em que o ensino se dava em horário integral. Era um sucesso total. Durou mais de 100 anos, até que veio a reforma profissionalizante do Governo, provocando o fechamento de centenas escolas particulares no Brasil, quebrando as mantenedoras, e cujos prédios, enormes, estão abandonados até hoje. O Governo não sabe o que fazer com eles. A presença dos governos na educação, enquanto aparelho domesticador (Althusser) carece ainda de muitas
De fato, o problema é também de alocação de recursos, com a priorização ao terceiro grau (dispêndios de US$ 14.735 por estudante/ano versus US$ 14.839 da OCDE), em detrimento do ensino básico (US$ 3.583 por aluno/ano contra US$ 10.949, contabilizado pelos membros da OCDE).
ResponderExcluirGilmar Lourenço.