sábado, 9 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Privatização da Sabesp representa avanço para setor

O Globo

Só o capital privado tem condição de captar os investimentos necessários a transformar o saneamento no Brasil

A Sabesp fornece água, coleta e trata esgoto em 375 dos 645 municípios de São Paulo. É uma das maiores empresas de saneamento do mundo em população servida, responsável por 30% do investimento do setor no Brasil. Atende três das dez cidades com os melhores serviços de saneamento do país, segundo o Instituto Trata Brasil, incluindo a capital paulista, com mais de 12 milhões de habitantes. Por décadas, a Sabesp se destacou pelo tamanho e pela eficiência.

Na noite da última quarta-feira, o projeto de privatização da Sabesp, enviado à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi aprovado em sessão sem a presença da oposição, por 62 votos a favor e um contra. A oposição se manifestou não pelo voto, mas pelo boicote, pela algazarra nas galerias — contida pela polícia — e pela onda de greves nos últimos meses. Sem dúvida, Tarcísio acertou ao enfrentar as resistências. Com a privatização, a população atendida pela empresa será a maior beneficiada.

O destaque positivo da Sabesp não significa que ela devesse ser mantida em poder do Estado. Apenas prova o descalabro reinante até recentemente no saneamento, dominado por estatais geridas com inépcia. Ser o primeiro entre os piores não é motivo de orgulho. A Sabesp perde 30% da água de São Paulo, dinheiro que literalmente escorre pelo ralo —água captada, tratada e desperdiçada antes de chegar à população. Em Goiânia e Campo Grande as perdas são de 20%. Em Curitiba, 25%.

No Estado de São Paulo, 98,6% são atendidos pela rede de água e 94,7% pela de esgoto, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis). Os índices altos para a realidade brasileira mascaram o tamanho do desafio de expandir a rede até a universalização e de garantir serviço de qualidade a todos. Não se trata apenas de comprar mais canos e cavar buracos. Também é caro enfrentar a depreciação da infraestrutura existente.

O investimento necessário para São Paulo atingir a universalização até 2033 é estimado em mais de R$ 80 bilhões, o maior do país, segundo estudo da consultoria KPMG e da Associação Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon). Uma empresa privada, mais bem gerida, tem mais condição de captar o capital necessário, como mostra o caso da concessionária Águas de Niterói. A companhia, do Grupo Águas do Brasil, assumiu o serviço de saneamento em Niterói em 1999. Em cinco anos, a população com água tratada foi de 72% para 100%. A privatização da Cedae, mais recente, também já traz resultados palpáveis.

Como mostra a experiência britânica, nem toda privatização é garantia de sucesso. Lá, problemas nas regras permitiram o endividamento excessivo das concessionárias, com reflexos negativos na qualidade do serviço. A concessão de atividades que definem monopólios naturais exige cuidados, uma vez que o consumidor não é livre para trocar de fornecedor. Os contratos precisam ser realistas ao fixar tarifas e duros quanto ao cumprimento de metas. Não apenas de universalização, mas de intermitência, sobretudo nas periferias. Mas só corporações sindicais empedernidas ou acadêmicos sem familiaridade com a boa gestão terão ilusões ou dúvidas a respeito do assunto. Com as regras certas, a privatização é a melhor — se não a única — chance de mudar a cara do saneamento no Brasil.

Furtos de armas do Exército expõem vulnerabilidade dos arsenais no país

O Globo

De janeiro a outubro, houve 48 desvios, o triplo do registrado em 2022 e recorde nos últimos dez anos

É triste constatar que nem sob a guarda militar armas e munições estão seguras. De janeiro a outubro deste ano, o Exército registrou um recorde de desvios em suas instalações: 48 ocorrências, ou quase cinco por mês. O número é mais que o triplo das 14 registradas em 2022 e o maior nos últimos dez anos, como mostrou reportagem do GLOBO com base em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). O arsenal furtado, roubado ou extraviado apenas neste ano reúne 21 metralhadoras, três pistolas, dois fuzis e 460 cargas de munição. Os casos foram registrados em sete das 12 Regiões Militares do país (a maior quantidade foi desviada em São Paulo).

É incomum que esses casos cheguem ao conhecimento do cidadão, como aconteceu no rumoroso furto de armas do Arsenal de Guerra do Exército em Barueri, Grande São Paulo, de onde foram levadas 13 metralhadoras antiaéreas (cobiçadas pelos bandidos em razão do alto poder de destruição) e outras oito metralhadoras de menor calibre. O furto aconteceu no feriado de 7 de setembro, mas só foi descoberto em 10 de outubro, quando um militar resolveu conferir o arsenal depois de perceber que um cadeado fora trocado. De acordo com o Exército, as armas furtadas em Barueri eram imprestáveis. Por não estarem em perfeitas condições, passariam por avaliação para saber se seriam aproveitadas ou destruídas. Quase todas (19 das 21) foram recuperadas, dez no Rio e nove em São Paulo.

O Exército tem agido com rigor na apuração do caso, que considerou “inaceitável”. Ao menos seis militares são investigados pelo Comando Militar do Leste sob suspeita de envolvimento no furto. Apesar da diligência na investigação, persiste a vulnerabilidade dos armamentos em instalações militares. No mês passado, um fuzil foi roubado de um soldado no Batalhão de Comando e Serviços da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), em Resende, no Estado do Rio. O caso está sob investigação.

Esses episódios demonstram o risco dos arsenais no país. Se nem com o Exército, responsável pela certificação de colecionadores, atiradores desportivos e caçadores (CACs), as armas estão bem guardadas, que dizer de cidadãos comuns? O atual governo acertadamente revogou os decretos armamentistas da gestão Jair Bolsonaro. Mas ainda existe um arsenal considerável em circulação. O recadastramento no início do ano contou quase 1 milhão de armas compradas legalmente. Não é improvável que parte acabe nas mãos de facções criminosas, responsáveis pela violência que fustiga o país. É improvável que sejam recuperadas depois de furtadas ou roubadas. Como se vê, costuma ser difícil até para o Exército.

Igual, mas diferente

Folha de S. Paulo

Apesar da expansão no gasto e no Bolsa Família, governo não melhora popularidade

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) descobriu, neste ano inicial de terceiro mandato, que a política brasileira passou por pelo menos duas mudanças expressivas desde que ele deixou o Palácio do Planalto em 2010.

A primeira, possibilitada por alterações normativas nos últimos anos, diz respeito ao famigerado centrão. Conjunto amorfo de siglas que têm na fisiologia sua principal bandeira, o grupo liderado por Arthur Lira (PP-AL) detém hoje muito mais poder de barganha do que uma década atrás e oferece novos desafios para a coalizão governista.

A segunda mudança está no humor da população. Se antes os presidentes pareciam desfrutar de um período de graça, em que a maior parte das pessoas avaliava a gestão como positiva ou regular, agora existe cerca de um terço do eleitorado disposto, desde o começo, a reprovar as iniciativas que advenham do Executivo federal.

Os números da mais recente pesquisa Datafolha não deixam dúvidas quanto a isso. Lula aparece com 38% de aprovação dos brasileiros, enquanto 30% consideram seu trabalho regular, e o mesmo número, ruim ou péssimo —cifras que, com variações irrisórias, repetiram-se nos outros três levantamentos do instituto realizados em 2023.

Verdade que falta ao petista marca digna de nota neste retorno à Presidência. Programas nos quais ele apostou muitas fichas não passam de versões recicladas de ideias anteriores, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Minha Casa, Minha Vida.

Por outro lado, o desempenho da economia revelou-se melhor do que o esperado, com um crescimento do Produto Interno Bruto que deve se aproximar de 3%, inflação estável e as menores taxas de desemprego desde 2014.

Diante desse quadro, a melhor explicação para a rejeição elevada para esta altura do mandato parece estar na permanência de uma polarização acentuada. Com efeito, o perfil dos entrevistados que aprovam e desaprovam o petista espelha o dos eleitores que, respectivamente, votaram nele e em Jair Bolsonaro (PL) no último pleito.

A estridência golpista cedeu lugar à normalidade institucional, mas, por baixo dessa calma aparente, cristalizaram-se posições ideológicas em franco contraste.

Ressalte-se, por fim, um aspecto significativo da economia política. O governo, apesar de ter promovido em 2023 gastança de mais de dois pontos percentuais do PIB na comparação com 2022, de ter aumentado em 80% o desembolso real com o Bolsa Família e elevado o salário mínimo também acima da inflação, segue com a popularidade estável em relação à eleição.

Fósseis em Dubai

Folha de S. Paulo

Em ano de calor histórico, COP28 se debate com petróleo, carvão e gás natural

Durou pouco a animação com a COP28 em Dubai, após anúncio já no primeiro dia da efetivação de um fundo para perdas e danos de nações flageladas pela mudança climática. Logo as negociações entraram no compasso habitual de estagnação, que se espera venha a ser rompida na segunda semana.

Os US$ 700 milhões do fundo perfazem 0,7% dos recursos necessários para remediar desastres, estimados em US$ 100 bilhões anuais. Configuram, porém, rara boa nova num cenário ameaçador, com 2023 confirmado como o ano mais quente em registro e a concentração de gases do efeito estufa no patamar mais alto em 14 milhões de anos.

Começa agora a fase ministerial da conferência nos Emirados Árabes, que reúne 197 países para efetuar um balanço do que fizeram para minimizar o aquecimento global. A expectativa é que o primeiro escalão dos governos consiga desatar os nós principais, como a eliminação dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás natural).

Ministros encontrarão sobre a mesa quatro opções de texto nesse item da futura declaração final da COP28. A única mais ou menos em linha com a meta de Paris (limitar aquecimento a 1,5ºC) propõe eliminação gradual dos combustíveis fósseis não compensados até a metade do século, como defendem EUA e União Europeia.

O fulcro está em "não compensados", o que abre espaço para seguir explorando e queimando carbono do subsolo, na confiança de que será possível extraí-lo depois da atmosfera. Há dúvidas de que isso seja técnica e economicamente viável —para nada dizer de métodos de aferição, cujo debate levaria anos até atingir consenso.

Outra formulação propugna "ordenada e justa eliminação gradual dos combustíveis fósseis", sem prazo. As duas propostas remanescentes falam em eliminar apenas carvão mineral, com forte objeção de China e Índia, ou meramente "subsídios ineficientes" para fósseis.

Pode ser que alguma redação ainda mais vaga da neutralidade com brechas defendida por europeus e norte-americanos se torne aceitável para economias petroleiras, como o país anfitrião. A meio caminho da COP28, ainda parece improvável que a reunião produza um texto condizente com as recomendações técnicas.

A atmosfera já se aqueceu algo como 1,1ºC ou 1,2ºC, e as emissões de carbono seguem em alta. No ritmo atual, alcançará entre 2,5ºC e 3ºC, com impacto muito mais grave do que as populações vulneráveis já enfrentam neste escaldante 2023.

A visão atrasada de Lula sobre o BNDES

O Estado de S. Paulo

Balanço do BNDES mostra números robustos, compatíveis com seu papel na economia. O que Lula quer é voltar a usar o banco para financiar políticas que o orçamento público não pode arcar

O presidente Lula da Silva tem um entendimento muito particular sobre a economia brasileira. Na avaliação dele, enquanto o Tesouro Nacional teria entre R$ 1 trilhão e R$ 2 trilhões guardados, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estaria “comendo pão seco sem mortadela”.

É interessante como Lula desconsidera não só as experiências passadas em seu terceiro mandato, mas também a própria realidade. Para ele, há um problema – o BNDES estaria sem dinheiro

– e há uma solução – o Tesouro Nacional tem dinheiro de sobra para gastar. Mas nem uma coisa nem outra é verdade, e quem diz isso são os números oficiais da instituição financeira.

Os resultados mais recentes do BNDES, relativos ao terceiro trimestre do ano, apontam para números robustos, muito distantes da penúria descrita pelo presidente Lula. Até setembro, as consultas haviam subido 94%, para quase R$ 200 bilhões; e as contratações, 43%, para R$ 94,2 bilhões. Os desembolsos aumentaram 20%, para R$ 75,4 bilhões; desse total, R$ 61,5 bilhões foram financiados a taxas de mercado, e a maior parte com recursos próprios.

A carteira de crédito do BNDES, por sua vez, atingiu R$ 495,2 bilhões, a maior desde o primeiro trimestre de 2019. Para chegar a esse tamanho, o BNDES contou com muita ajuda do Tesouro Nacional. Entre 2008 e 2014, o Tesouro emprestou R$ 440,8 bilhões à instituição financeira.

Sob o pretexto de conter os efeitos da crise financeira mundial, criou-se um orçamento paralelo, por meio do qual o banco cobrava juros artificialmente baixos para financiar grandes obras de infraestrutura e empresas que se tornariam “campeãs nacionais” – todas escolhidas a dedo pelo governo. Era, na verdade, uma forma de usar o banco para financiar políticas públicas que o Orçamento-Geral da União não tinha condições de arcar.

Em termos de crescimento econômico, os retornos dessa política foram questionáveis, enquanto seus custos foram muito reais. É o que explica, em parte, a impressionante evolução da dívida bruta do governo, que saiu de 51,3% em 2011 para os atuais 74,7% do Produto Interno Bruto (PIB).

No governo Michel Temer, o banco finalmente adotou taxas mais compatíveis com a realidade do mercado. Além disso, reduziu sua participação e exposição ao risco no financiamento de obras de infraestrutura e retomou um papel fundamental no apoio e na estruturação desses projetos, sem os quais muitas das privatizações e concessões de infraestrutura não teriam sido possíveis, especialmente na área de saneamento. Passou, também, a pagar os empréstimos que havia tomado do Tesouro e devolveu um total de R$ 689 bilhões até agora.

Ainda faltava uma última parcela, de R$ 22,6 bilhões, que deveria ter sido quitada no fim de novembro. Mas o BNDES negociou um novo prazo com o Tesouro para pagar o restante até 2030, já avalizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Sem o acordo, a liquidez do banco estaria comprometida, e os desembolsos teriam de ser interrompidos, algo que seria absolutamente indesejável.

Aparentemente, não está nos planos do BNDES retomar o gigantismo artificial que já teve no passado recente. Segundo o diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do banco, Nelson Barbosa, a ideia é que os desembolsos do banco saiam do atual 1,1% para 2% do PIB até 2026 – bem menos que os 4,3% de 2009.

É uma visão mais realista sobre o papel do banco na economia e sobre os limites de sua atuação. Não cabe ao BNDES assumir uma posição de protagonismo no mercado de capitais, privilegiar segmentos ou determinados grupos econômicos e financiar obras faraônicas sem considerar o risco dessas operações.

O processo de reorganização pelo qual o BNDES passou nos últimos anos tem garantido seu sucesso. Voltou a dar lucro, reduziu a inadimplência e hoje tem todas as condições de bancar suas operações com recursos próprios e taxas de mercado. A concepção que Lula tem do BNDES é atrasada, equivocada e custou muito caro ao País – e, sobretudo, desnecessária diante dos resultados financeiros do banco e da situação fiscal.

A Lei das Estatais empaca no STF

O Estado de S. Paulo

O Supremo começou a julgar em março a esdrúxula liminar que barrou os efeitos da lei e, com dois pedidos de vista, torna ainda mais constrangedora a demora em rejeitar uma ação inepta

O pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques interrompeu, mais uma vez, o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a constitucionalidade das restrições impostas na Lei das Estatais a nomeações para a alta administração de empresas públicas. O colegiado começou a julgar a questão em março, duas semanas depois da liminar do então ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado, que suspendeu temporariamente os efeitos da lei, em atendimento a uma ação movida pelo PCdoB.

Em primeiro lugar, a ação deveria ter sido rejeitada de pronto pelo STF, por ser inepta, claramente movida por inconformados derrotados em votação no Congresso. Isso não só não aconteceu, como o ministro Lewandowski decidiu suspender a lei numa canetada – abrindo uma janela preciosa para uma nova farra de nomeações políticas. Quando o Supremo afinal resolveu julgar o caso, o ministro André Mendonça fez um pedido de vista. Pelas normas do STF, o julgamento deveria ter sido reiniciado, no máximo, 90 dias depois, no fim de junho, mas foi retomado apenas agora, em dezembro, com o voto divergente de Mendonça. Foi a vez, então, de Nunes Marques requerer o processo para exame. Tem até março para devolvê-lo.

De vista em vista, a medida “emergencial” – o que é, no fim das contas, o caráter básico de uma liminar – de Lewandowski caminha para completar um ano, permitindo ao governo descumprir um dos principais instrumentos de governança corporativa da Lei das Estatais. A liminar em si já é uma barbaridade; a demora do Supremo em analisá-la, ainda mais acintosa.

A Lei 13.303, conhecida como Lei das Estatais, foi promulgada em 2016 com o objetivo específico de moralizar a nomeação de dirigentes e membros do Conselho de Administração das empresas públicas. Àquela altura, diretamente atingidas por denúncias de corrupção e uso político, as estatais, tendo à frente Petrobras, Eletrobras e suas controladas, atravessavam uma série crise de depreciação.

As exigências impostas pela nova legislação aprovada pelo Congresso, de tão elementares, deveriam estar implícitas em qualquer critério de escolha desde sempre. Ficavam proibidas as nomeações de ministros, secretários estaduais e municipais, dirigentes de partidos políticos e sindicatos, parlamentares, diretores de órgãos reguladores ligados à empresa e funcionários de assessoramento superior da administração pública.

A profissionalização dos Conselhos de Administração – instância máxima das decisões estratégicas das empresas – é uma medida largamente adotada no mundo. Há cursos específicos de especialização em boa governança. Quanto mais independente o Conselho de Administração – obviamente composto por pessoas habilitadas e com profundo conhecimento do setor e da empresa que assessoram –, mais isentas se mostrarão as decisões tomadas. No Brasil, contudo, sucessivas gestões federais acostumaram-se a transformar esses conselhos e os cargos de diretoria em moeda de troca e exercício de ingerência política.

Em gestões petistas passadas, a prática foi levada a um notório aparelhamento. Foi exatamente esse fenômeno que suscitou a criação da lei para blindar as companhias, que são do Estado, e não do grupo político cujo presidente exerce por um determinado tempo sua gestão. Administradores investidos no cargo com o propósito principal, se não único, de seguir a orientação dos governantes causam graves e, às vezes, irreversíveis prejuízos às empresas que representam. Investimentos despropositados e financiamentos a projetos governamentais são os problemas mais comuns.

Como se não bastasse o interesse político e ideológico, indicações dessa natureza servem muitas vezes apenas para garantir ao apaniguado um mero complemento salarial, pois há casos de indicados que não têm a menor afinidade com esse ou com qualquer outro trabalho. Além de escancarar um profundo desprezo pelo cargo de conselheiro administrativo, essas indicações são também um grande risco para a empresa, ainda que o indicado seja bem-intencionado. É essa distorção grave que o governo quer perpetuar – e cujo impedimento o STF insiste em adiar.

O fígado como conselheiro

O Estado de S. Paulo

Se estadista fosse, Lula ignoraria as provocações de Milei e iria à posse ou mandaria o vice

O presidente Lula da Silva desperdiçou a oportunidade de se alçar à condição de estadista ao declinar do convite para assistir à posse do novo presidente argentino, Javier Milei.

É certo que o sr. Milei fez provocações indignas do cargo que vai ocupar, ao convidar para a posse o antípoda de Lula, Jair Bolsonaro, que pegou o espírito da coisa e viajará a Buenos Aires com uma comitiva típica de chefe de Estado. Compreende-se, portanto, que Lula não queira dividir o mesmo ar que Bolsonaro, ainda mais num evento em que este, malgrado não ocupar mais cargo público e ter se tornado inelegível, certamente terá de Milei mais atenção que o presidente brasileiro.

Mas é justamente em situações como essa que se conhecem os verdadeiros estadistas. Se com tudo isso Lula fosse à posse, demonstraria claramente que o cargo que ocupa está a salvo de entreveros pessoais. Lula, ainda que de cara fechada, cumpriria o papel de representante do Brasil, para o qual, aliás, foi eleito, e deixaria claro que as boas relações com a Argentina independem de eventuais picuinhas entre aqueles que governam os dois países.

Sendo realmente impossível para Lula prestigiar Milei depois das afrontas do argentino (que, é sempre bom lembrar, ocorrem continuamente desde a campanha eleitoral), seria então de bom-tom que o presidente se fizesse representar pelo vice, Geraldo Alckmin, que para todos os efeitos está ali para isso mesmo. Mas não: deixando-se levar pelos conselhos do fígado, Lula decidiu mandar à posse de Milei seu chanceler, Mauro Vieira, que certamente é um respeitável ministro, mas claramente só está ali para cumprir tabela.

Diferenças ideológicas entre Brasil e Argentina já foram sabiamente sublimadas no passado, a bem de uma boa relação. Em 2015, por exemplo, a então presidente Dilma Rousseff ignorou essas diferenças e foi à posse do liberal Mauricio Macri – evento que ficou marcado pela deselegância da presidente Cristina Kirchner, aliada dos governos petistas, de se negar a passar a faixa ao sucessor.

Nesse sentido, Lula e Bolsonaro padecem do mesmo mal: consideram que as relações entre Brasil e Argentina dependem de afinidades ideológicas. Bolsonaro, recorde-se, recusou-se a comparecer à cerimônia de posse do peronista Alberto Fernández, em 2019, mandando em seu lugar o vice, Hamilton Mourão. Mas do truculento Bolsonaro não se esperava nada diferente disso; já de Lula, que venceu a eleição prometendo fazer diferente de Bolsonaro, isto é, restabelecer o respeito pelas instituições e pela democracia e restaurar a civilidade diplomática, se esperava um gesto de grandeza.

E política, como Lula sabe bem, é feita de gestos. Um aperto de mãos entre Lula e Milei, consideradas todas as circunstâncias da posse, seria uma mensagem clara de que o Brasil se importa com a Argentina e que tudo fará para desarmar os espíritos. Com Lula vendo a posse pela TV, a mensagem é outra: não é a Argentina que importa, e sim os “companheiros” peronistas que foram derrotados por Milei e sua serra elétrica.

Educação exige choque de ensino de matemática

Correio Braziliense

Salta aos olhos o baixíssimo nível de desempenho dos estudantes brasileiros em matemática. Em plena revolução tecnológica, em que as possibilidades de ensino contam com os recursos mais modernos, os números mostram que a maioria dos adolescentes mal sabe fazer as quatro operações

Os resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) 2022 divulgados no início da semana pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), pelo Ministério da Educação e pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) são muito preocupantes, embora pudessem ser ainda piores. Salta aos olhos o baixíssimo nível de desempenho dos estudantes brasileiros em matemática. Em plena revolução tecnológica, em que as possibilidades de ensino contam com os recursos mais modernos, os números mostram que a maioria dos adolescentes mal sabe fazer as quatro operações, que dirá equações mais complexas.

De acordo com os resultados do Pisa 2022, o Brasil atingiu a pontuação de 379 em matemática, em contraste com a média dos países da OCDE, que foi de 479. Na escala de avaliação do ensino, que vai de 1 a 6, 73% dos alunos brasileiros ficaram abaixo da nota mínima de 2, que é considerada o nível básico, ao passo que os demais países da OCDE têm 31% de jovens na mesma faixa. Considerando o ranking geral nessa área, nosso país ficaria entre a 62ª e a 69ª posição.

Para não dizer que somos um caso perdido, nas áreas de leitura, a diferença não é tão significativa em comparação aos países da OCDE. O Brasil pontuou 410, e os membros da OCDE, 476; o resultado entre países da América Latina foi semelhante. Houve também concentração menor de jovens abaixo do nível 2 (50%), embora essa mesma taxa na OCDE seja de 27%. Em ciências, porém, o Brasil obteve 403 pontos, e a OCDE, 485, e 55% dos nossos estudantes ficaram abaixo de 2. Na OCDE essa taxa foi de 24%.

Ao fazer uma avaliação do resultado, o ministro da Educação, Camilo Santana, destacou que as escolas particulares também ficaram abaixo do nível básico estabelecido pela OCDE em matemática, o que é uma demonstração de que não se trata apenas de um problema da rede pública, mas também dos métodos de ensino e formação de professores. Em termos temporais, no caso da matemática, é uma queda sem precedentes desde 2018.

No "tripé"de prioridades do Ministério da Educação — programa de alfabetização, conectividade escolar e escolas em tempo integral —, deveria haver um foco específico no ensino de matemática e de ciências. A propósito, sobre a implantação da escola em tempo integral, o ex-governador Cristovam Buarque, criador da bolsa escola e ativista em tempo integral da causa da educação de qualidade para todos, resgata uma experiência bem-sucedida do educador baiano Anísio Teixeira, que empresta seu nome ao Inep: a escola parque.

Criado em 1950 para complementar as atividades de 4 mil alunos de quatro escolas classe, com aulas de reforço escolar, esporte e arte, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro foi a primeira experiência de horário integral no Brasil. Nem todos os estados e municípios têm condições imediatas de implantar as escolas em tempo integral, mas todos podem buscar formas de suprir as necessidades de crianças e adolescentes passarem mais tempo na escola, em vez de permanecerem nas ruas, principalmente as crianças em situação de risco.

Além disso, os resultados mostram que há necessidade de um choque de ensino de matemática nas redes públicas e privadas, com adoção de métodos mais adequados de ensino, de formação de professores e de reforço escolar.


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