sábado, 16 de dezembro de 2023

Demétrio Magnoli - Teatro em São Vicente

Folha de S. Paulo

Para cortar as asas de Nicolás Maduro, basta denunciar a chantagem

A agressão compensa –eis o que Nicolás Maduro concluiu ao sentar-se diante do presidente da Guiana, Irfaan Ali, e do assessor de Lula, Celso Amorim, na ilha caribenha de São Vicente. O ditador venezuelano venceu o primeiro round, obtendo negociações diretas com mediação brasileira sobre Essequibo.

Amorim foi a Caracas em 24/11 para acalmar as tensões provocadas pela Venezuela. Fracasso: depois do plebiscito de 3/12, que o governo brasileiro qualificou de modo condescendente como "assunto interno", Maduro escalou a agressão. O venezuelano redesenhou o mapa dos dois países incorporando 70% da Guiana; nomeou um general-governador para a "Guiana Essequiba"; anunciou a concessão de cidadania aos habitantes de Essequibo; autorizou a estatal petrolífera PDVSA a conceder licenças de exploração no território "anexado"; deslocou uma divisão do Exército para a fronteira. A violação da soberania guianense só não chegou –ainda– às vias militares.

O Brasil, potência regional e país vizinho, consentiu pelo silêncio. Despachou meia dúzia de blindados para a fronteira, sinalizando ao menos que não será cobeligerante numa hipotética invasão militar. Mas, no lugar de uma condenação formal, o Planalto e o Itamaraty limitaram-se a frases ocas sobre "diálogo" e "paz".

O Brasil jamais se sentaria numa mesa de negociação caso a Bolívia resolvesse reabrir a "questão do Acre" adotando medidas unilaterais similares às de Maduro. À Guiana, sobrou reiterar que o foro apropriado para a controvérsia é a Corte Internacional de Justiça, informar a realização de exercícios aéreos com os EUA e sugerir sua disposição de abrigar uma base americana.

Maduro não sabe governar seu país, mas conhece a trilha de uma escalada e, em 8/12, anunciou uma visita a Moscou. Bastou ameaçar: o espectro do encontro com Putin, mestre da guerra de conquista, valeu-lhe novos (e frutíferos) contatos com o Brasil. Daí surgiu a reunião de São Vicente –e, em contrapartida, a suspensão temporária da viagem ao Kremlin.

O envolvimento direto de potências externas em assuntos sul-americanos figura, corretamente, como antigo tabu para o Brasil. Isso pesou na decisão de persuadir a Guiana a sentar-se à mesa da diplomacia diante do agressor. Há mais, porém: a aliança de tantos anos entre o lulismo e o chavismo. Em São Vicente, Amorim teve a oportunidade de condicionar o diálogo ao recuo nas medidas agressivas unilaterais adotadas pela Venezuela. Preferiu, movido pelas afinidades políticas, rolar a pedra ladeira abaixo, norteando-se por um ilusório apaziguamento.

Essequibo é, para Maduro, um outro nome de petróleo e repressão interna. Os 11 bilhões de barris de petróleo leve do pré-sal guianense tem maior valor que o óleo viscoso extraído na Venezuela. Mas, sobretudo, a aventura territorial propicia ao ditador um caminho para intensificar a repressão a opositores, esvaziando de substância o acordo por eleições livres.

O regime assinou o acordo com a oposição em troca da suspensão das sanções dos EUA às exportações petrolíferas venezuelanas. Maduro sabe que rumaria à derrota certa em eleições competitivas –e enxerga em Essequibo um pretexto para, enrolando-se à bandeira nacional, montar uma nova farsa eleitoral. Na esteira do plebiscito, já mandou prender 14 opositores, acusando-os de "traição à pátria" pela suposta participação num complô do "imperialismo americano e da Exxon".

A operação, contudo, depende de incessantes provocações à Guiana, no palco teatral do "diálogo" e da "negociação". O Brasil ainda tem meios para interromper o espetáculo perigoso. Como Kissinger explicou, "uma ameaça de uso da força que demonstra ser ineficaz é uma confissão de impotência". Para cortar as asas de Maduro, basta denunciar a chantagem, recusando o papel de coadjuvante na peça encenada por um tiranete de aldeia.

 

2 comentários:

  1. ■Eu acho o Demétrio Magnoli sempre consistente em nunca alterar ou distorcer nada, fundamentando suas análises sempre em fatos e em dados e nunca em narrativas.

    Até verifico que em alguns fatos específicos a análise de Demétrio suprime aspectos que eu acho que ele deveria abordar e que não aborda por limites ideológicos, mas nunca o faz por ideologismo.

    Claro que os que funcionam por paixão e doutrinarismo, mesmo os mais brandos, sempre que contrariados procuram meios para desqualificar Demetrio, como tentam atingir todos que de alguma forma os contraria.

    Algumas vezes eu concordo com Demétrio Magnoli, em outras eu discordo. Mas a mim, eu concordando ou não, Demétrio inspira confiança sempre por nunca distorcer.

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