O Estado de S. Paulo
O risco da crise entre Venezuela e Guiana é trazer a disputa EUA-Rússia para a região
O principal risco na crise entre Venezuela e
Guiana é importar o conflito geopolítico de Rússia e Estados Unidos para a
América do Sul, onde a ausência de tensões entre os países é um grande ativo
político, diplomático e econômico no mundo, desde a solução do conflito de
fronteiras entre Equador e Peru, em 1998. O Brasil, maior economia, território
e população do continente, está no centro das negociações. E o presidente Lula
não pode errar.
A Venezuela é tanto o maior adversário dos EUA quanto o principal aliado da Rússia na região. Ao iniciar exercícios militares na Guiana, o governo Joe Biden chama Vladimir Putin para o jogo, ou para a guerra, lembrando que a Venezuela é o sexto país do mundo que mais investe em poderio militar, muito graças a armamentos russo.
Desde Hugo Chávez, que iniciou a ditadura e
patrocinou a ascensão de Nicolás Maduro, a Venezuela afunda numa crise
política, econômica, social e migratória sem precedentes, mas despejou fortunas
para, por exemplo, adquirir os caças russos Sukhoi. Depois da Rússia, o seu
segundo maior fornecedor de armamento é a... China.
Lula não teve sucesso ao se meter a mediador
nas distantes guerras da Ucrânia e de Israel, mas Venezuela e Guiana estão
aqui, nas nossas barbas, e o Brasil é obrigado a entrar de cabeça, buscando a
negociação entre os dois países e articulando a reação regional e internacional
para evitar uma guerra. Ninguém acredita em guerra, mas que ela é possível, é.
Como no caso da Ucrânia.
O Brasil tem três trunfos: é líder regional,
mantém portas abertas com os dois lados e ninguém como Lula tem chance de botar
o guizo no gato, ou seja, chamar Maduro à realidade. Mas há obstáculos: a
recepção de Maduro com honras de Estado, sob protestos internos e do Uruguai,
Chile e Colômbia, chamar a ditadura venezuelana de “democracia” e – pior –
fazer sinais claros pró-China e Rússia e alfinetar EUA e Europa.
Para o Brasil, a questão é de geopolítica
internacional, diplomacia e também militar, já que Roraima é um enclave entre
Venezuela e Guiana e não se pode descartar que Maduro, considerado um Putin da
região, megalomaníaco e perigoso, tente invadir o país vizinho através do
território brasileiro.
O Ministério da Defesa aumentou o contingente
do Exército e já enviou 28 blindados para a fronteira, enquanto o chanceler
Mauro Vieira e o assessor internacional Celso Amorim articulam conversas
diretas de Lula com os dois presidentes. A crise é seu grande teste na área
externa. É hora de mostrar que, além de lábia, ele tem a dimensão e a
capacidade política e diplomática que o próprio Lula se atribui.
E tem mesmo.
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