quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

Eric Posner* - Uma ditadura de Trump não acontecerá

Valor Econômico

Um novo mandato de Trump não será bonito; mas esperem turbulência (de novo), não ditadura

Os americanos preocupam-se com a possibilidade de seus presidentes se tornarem ditadores (ou, antigamente, tiranos) desde a fundação dos Estados Unidos. Os autores da Constituição dos EUA compreenderam que nas democracias e repúblicas clássicas, alguns líderes muitas vezes tentaram tomar o poder do Congresso e outras assembleias. É por esse motivo que criaram um sistema de freios e contrapesos dentro do poder governamental.

Até agora, tudo bem. Nunca houve um ditador na presidência dos EUA. Porém, acusar o candidato do outro lado de procurar poderes ditatoriais tornou-se um ritual quadrienal, que desta vez começou cedo. Em comentário amplamente divulgado no “Washington Post”, Robert Kagan, repetindo sua previsão anterior de que o ex-presidente Donald Trump se tornaria um líder fascista, alertou que ele poderia vir a se transformar em ditador caso fosse eleito novamente em 2024. Kagan compara uma vitória de Trump a um asteróide colidindo com a Terra, fazendo eco ao comentário muito ridicularizado de Michael Anton, que comparou a vitória de Hillary Clinton em 2016 a um ataque suicida a um avião comercial.

Trump foi e é muitas coisas, a maioria delas ruins. Mas ele não era fascista quando presidente e não será ditador se for eleito pela segunda vez. Longe de ser um homem forte, Trump foi fraco durante o seu mandato anterior. Suas principais realizações - uma redução de impostos, um pacote de estímulo durante a pandemia e nomeações de juízes conservadores (mas em grande parte convencionais) - passaram todas através dos ritos constitucionais normais, com o Congresso plenamente envolvido. Entretanto, o Congresso frustrou as promessas de Trump de revogar o “Affordable Care Act” (“Obamacare”) e de construir um muro na fronteira com o México.

Da mesma forma, as tentativas mais notáveis de Trump de agir unilateralmente - acabar com o programa de imigração, Ação Postergada para Chegadas Infantis, adicionar uma questão do estatuto da cidadania ao censo e cortar regulações ambientais - foram todas barradas pelos tribunais ou reduzidas em resposta a desafios judiciais. Os próprios subordinados de Trump desobedeceram suas ordens de bloquear as investigações das suas atividades e propor frívolas ações judiciais contra seus oponentes. E as mais importantes decisões de política externa de Trump - retirar os EUA do acordo climático de Paris e do acordo nuclear com o Irã, por exemplo - enquadraram-se solidamente na tradição da autoridade presidencial nesse campo.

Trump foi um presidente fraco porque a maioria dos eleitores não gostava dele. Todos os democratas e mesmo alguns republicanos conseguiam dar-se ao luxo de se opor a ele. Incapaz de obter o apoio popular da maioria, ele só conseguiu fingir. Embora tivesse tentado intimidar o Judiciário, esses esforços falharam. “Meus juízes”, como ele os chamava, decidiram contra ele repetidamente ao contestar os resultados das eleições presidenciais de 2020. Ele não conseguiu que a enorme burocracia federal cumprisse suas ordens porque lhe faltava a sabedoria e a paciência para administrá-la.

Trump tentou reverter as eleições de 2020 espalhando mentiras e instigando uma multidão. Mas falhou completamente, novamente frustrado por seus principais subordinados e pelos tribunais, bem como pelos funcionários da Justiça Eleitoral de ambos os partidos. Hoje, Trump e os seus capangas foram indiciados, seus advogados enfrentam processos disciplinares e centenas de seus apoiadores foram condenados à prisão.

Kagan responde que desta vez é diferente. A Heritage Foundation, um importante “think-tank” de direita, está compilando uma lista de milhares de radicais de direita que preencherão vagas na burocracia federal - especialmente no Departamento de Justiça - que Trump terá liberado através de uma nova manobra legal. Também produziu uma lista de desejos conservadores chamada Projeto 2025. Mas a noção de que Trump prestará atenção às propostas dos “think-tanks” e aos livros brancos é fantasiosa - será que ninguém aprendeu nada?

Os autores da Constituição dos EUA compreenderam que, nas democracias e repúblicas clássicas, alguns líderes muitas vezes tentaram tomar o poder do Congresso e outras assembleias; é por esse motivo que criaram um sistema de freios e contrapesos

Kagan pisa em terreno mais forte, argumentando que Trump comandará investigações e julgamentos de seus oponentes políticos - uma típica jogada do manual do ditador. Trump de fato ameaçou fazê-lo, jurando processar seu antigo procurador-geral, William Barr, e seu ex-chefe de gabinete, John Kelly, entre outros.

Mas se aprendemos alguma coisa sobre Trump é que devemos encarar suas promessas com cautela. Afinal, ele nunca realmente mandou “prender” Hillary Clinton e já tentou esvaziar a burocracia federal com a notória ordem executiva, “Anexo F”, no final do seu mandato. Nada resultou disso, exceto confusão burocrática.

O problema para Trump e seu círculo pessoal é que simplesmente não existem advogados e decisores políticos de direita competentes em número suficiente que possam entrar numa agência desconhecida e redirecioná-la de forma eficaz. Os chefes das agências, que recebem ordens conflitantes para implementar a política draconiana de Trump e substituir milhares de experientes funcionários por hackers, muito provavelmente não conseguirão nenhuma das duas coisas, encontrando-se, em vez disso, envolvidos em processos judiciais de funcionários demitidos.

Além disso, Trump já anunciou que não quer advogados da Sociedade Federalista no seu governo, uma vez que muitos deles - incluindo os seus dois procuradores-gerais, Jeff Sessions e Barr - revelaram-se mais leais ao país do que a ele. Mas onde, então, ele encontrará conhecimento jurídico? Com a Sociedade Federalista estabelecendo-se como a principal fonte de ambiciosos advogados conservadores, Trump tem se comprometido com um grupo cada vez menor de talentos.

Trump não sabe nem se importa que o presidente em exercício não possa simplesmente dar ordens à burocracia federal. O presidente precisa persuadir, fazer concessões e implorar. Mas mesmo que Trump faça isso, os investigadores e procuradores do governo não abrirão processos contra pessoas como Barr e Kelly, se não tiverem cometido crimes. Se forem de alguma forma forçados a fazê-lo, esperem demissões em massa, vazamentos de informações, repúdios públicos e um dia agitado para a imprensa. Os juízes descartarão os casos e os júris não condenarão. Kagan acredita que se Trump sair vencedor nos atuais processos, os juízes terão medo de decidir contra ele caso ele se eleja presidente. Isto tanto exagera o atual risco legal de Trump como subestima demais a integridade do Poder Judiciário.

Não se enganem: um segundo mandato de Trump não será bonito. Mas esperem turbulência (de novo), não ditadura. (Tradução de Anna Maria Dalle Luche)

*Eric Posner é professor da Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, autor de “How Antitrust Failed Workers”, da Oxford University Press, 2021. 

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