Valor Econômico
Resistência ao perfil da Corte extrapola o
bolsonarismo
O ministro Flávio Dino chegará ao Supremo
Tribunal Federal como aquele que, na atual composição da Corte, terá enfrentado
a maior resistência dos senadores, somados os votos na Comissão de Constituição
e Justiça (17 x 10) e o plenário (47 x 31).
O resultado mostra que o embate em torno da
atuação do STF pode ser ainda maior do que a decantada polarização entre
lulistas e bolsonaristas. A inquirição do senador Alessandro Vieira (MDB-SE)
não poderia ser mais simbólica do que está em curso. O maior temor era em
relação ao bolsonarismo raiz, mas foi um senador que não apenas é filiado a um
partido da base, como é um ex-eleitor de Jair Bolsonaro convertido ao lulismo
em 2022 que pôs em xeque a estratégia de Dino de se mostrar, ao mesmo tempo,
como um nome apoiado por ministros do Supremo e mensageiro da
"pacificação”'.
A sabatina já atingia nove horas de duração quando Vieira começou a explicar por que o ministro, apesar de cumprir com galhardia os dois pressupostos constitucionais, da reputação ilibada e do notório saber jurídico, não teria seu voto.
Começou por citar o ministro Gilmar Mendes,
sabidamente um apoiador da indicação de Dino: “O decano da Corte é homem dotado
da mais alta capacidade intelectual, mas aparentemente carente do mínimo pudor
ético. Não viu problema em juntar no mesmo festim investigados, julgadores e
partes interessadas em processos em curso na Corte superior. Um servidor
público que se tornou milionário como empresário na área da educação, condição
que a Lei Orgânica da Magistratura repudia (...) Não tem o pejo de usar a força
de cargo de ministro para pressionar por interesses pessoais ou de terceiros”.
Depois foi pra cima de Dino: “O indicado é
uma das principais lideranças do Brasil. (...)É um líder político de estatura e
alcance inquestionáveis. Esta casa e o país inteiro, de forma intensa e
reiteirada, reprovam o viés excessivamente político da Corte superior. É uma
situação que (...) terá prejuízos graves para a democracia, mesmo quando os
abusos são praticados com o pretexto de defendê-la. A indicação de uma
liderança política como o ministro reforça a inexorável politização da Corte”.
Dino já tinha se esforçado para se mostrar
parcimonioso em relação ao controle de constitucionalidade das leis e defender
a regulação das redes sociais, trucidando, com elegância, toda a inquirição do
senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Só não pareceu estar preparado para o torpedo
de Vieira. Só defendeu Gilmar Mendes, e ainda assim, sem mencioná-lo, depois
que Paulo Gonet e dois senadores já haviam feito. O indicado à
Procuradoria-Geral da República não parecia ter com que se preocupar, mas
àquela altura, já estava claro que a aprovação de Dino seria mais apertada do
que se imaginava.
Vieira, a quem Dino disse que
"dificilmente" teria saúde para voltar à política aos 75, idade da
aposentadoria compulsória, não foi o único senador a colocar em xeque a
renúncia do ministro à política. O senador Randolphe Rodrigues (Rede-AP) tinha
deixado um flanco aberto ao mencionar Epitácio Pessoa, que foi presidente
depois da toga do STF, mas ninguém pegou a deixa.
Quem voltou ao tema foi senadora Teresa
Cristina (PP-MS), que o indagou sobre o chapéu da política. “Não voltarei a
envergá-lo, é o que creio”. E não o que decidiu. A Sérgio Moro (União-PR) disse
que não abandonaria as redes sociais, mas se reservaria a opinar sobre “temas
jurídicos” e futebol.
Acordos que precederam a sabatina
viabilizaram a aprovação mas não foram capazes de evitar o cerco,
principalmente pelo trio formado por Vieira, Hamilton Mourão (Republicanos-RS)
e Rogério Marinho (PL-RN). O senador potiguar elencou as declarações mais polêmicas
de Dino sem descuidar de provocá-lo sobre mudança na sua postura: “A Corte
precisa de equilíbrio e, na Justiça, o senhor demonstrou o contrário”.
Seguro, Dino escamoteou o nervosismo com o
qual chegara. Isso só ficou claro quando, depois de se ausentar da mesa,
voltou, saudou e agradeceu aos que o precederam, quando a praxe é de que isso
seja feito no primeiro pronunciamento à comissão.
Neste momento, o ministro mostrou que, na
Corte, não sepultará o engenho dos seus embates. Mencionou o período em que
Marinho, como líder do PSB, que pronunciou por extenso “Partido Socialista
Brasileiro”, era seu aliado. A menção à antiga filiação irritou Marinho,
expoente do bolsonarismo.
Mourão citou o código de ética recentemente
aprovado pela Suprema Corte americana depois que seus ministros foram flagrados
em comportamentos comuns no STF, como manifestações políticas e a aceitação de
viagens e palestras patrocinadas por empresas privadas. Dino se limitou a
mencionar a existência de um código semelhante no Brasil sem discorrer sobre as
reiteiradas desobediências a seus preceitos.
Dino pretendia, com a sabatina, dar início à
construção de um personagem distinto daquele que assumiu ao longo deste
primeiro ano de governo como líder do pelotão de enfrentamento do bolsonarismo.
É a mudança no seu perfil que pode evitar sua contaminação pelo mal-estar da
população com a Corte derivada, em grande parte, da radicalização no
enfrentamento ao bolsonarismo, a partir de 8/1.
Desta capacidade de apaziguamento dependem as
condições para que Dino se torne o principal interlocutor do presidente na
Corte. A sabatina mostrou que o caminho será mais longo do que se imaginava.
Pois é.
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