sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Fabio Giambiagi - O debate da desigualdade

O Globo

Não haverá futuro decente para o Brasil enquanto, politicamente, quem carrega a bandeira do combate à desigualdade continuar com um viés anticapitalista

O documento “Síntese de Indicadores Sociais” (SIS), elaborado pelo IBGE, traz um “raio X” completo do panorama social do país, essencial para o traçado de políticas públicas. Cite-se um caso: a distribuição de renda. Pela última informação disponível, referente a 2022, na tabela do rendimento domiciliar per capita segundo as classes de percentual de rendimento domiciliar per capita, a renda média reportada foi de R$ 1.586, com a renda média do décimo superior da distribuição de renda sendo de R$ 6.448.

Além do IBGE divulgar a renda média do grupo dos percentis de 95% a 100% (R$ 8.995), ele informa a renda do grupo dos percentis 90% a 95%, que era de R$ 3.900. Mais ainda, o IBGE nos diz que a pessoa que se situava exatamente no percentil 90 tinha uma renda de R$ 3.207, de modo que quem recebeu R$ 3.208 se localizava no décimo superior da distribuição.

É difícil convencer uma pessoa de 28 anos, por exemplo, que more sozinha, pague aluguel e dê duro todo dia para poder poupar e juntar dinheiro para se casar, com uma renda mensal de R$ 3.300, que numa escala de 1 a 20, onde o grupo 20 é o dos 5% mais ricos, ela esteja no grupo 19, bem perto do último andar da turma do “andar de cima”, para usar a conhecida figura do jornalista Elio Gaspari.

E, entretanto, essa pessoa, que provavelmente deve se considerar pobre ou, no máximo, “classe média baixa”, pertence, por definição, ao grupo dos 10% mais “ricos”.

Compreensivelmente, confrontada com os dados, ela exclamará: “mas eu não sou rico!”. Neste ponto, é útil introduzir o conceito do que poderíamos denominar de “super-ricos”, cujos dados ajudam a “matar a charada” de como é possível conciliar aquelas informações agregadas com a realidade de quem, mesmo estando entre os 10% de maior renda, está muito longe, de fato, de ser rico, no sentido convencional da palavra.

Registre-se, a propósito, que, pelo dado do IBGE, o indivíduo mais rico (agora sem aspas) do país tinha uma renda mensal de R$ 597 mil, equivalente a 377 vezes a renda média e 3.665 vezes a renda média dos 10% mais pobres.

Um livro essencial para entender essa questão é “Uma história de desigualdade”, de Pedro H. Ferreira de Souza, publicado em 2018 pela editora Hucitec, a partir da tese de doutorado do autor, orientada por Marcelo Medeiros e com uma base de dados diferente da do IBGE.

Ali, com base em informações específicas, é possível desagregar não só os números dos 10% mais ricos incluindo o 1% mais rico, mas também do 0,1% mais rico e, ainda, do 0,01% mais rico do país.

Os últimos dados apresentados detalhadamente no livro se referiam ao ano de 2013, mas em se tratando de questões estruturais, nada indica que, em linhas gerais, essa realidade tenha mudado drasticamente nos dez anos posteriores.

A fotografia que resulta dessa análise é extremamente interessante para o enriquecimento do debate sobre a distribuição de renda no país. A tabela (abaixo), elaborada com a gentil colaboração do autor, que cedeu parte dos dados, traz algumas informações-chave para a compreensão da questão.

Ela indica que os 10% mais ricos tinham 51% da renda do país, sendo que entre eles o 1% mais rico, o 0,1% mais rico e o 0,01% mais rico tinham 23%, 10 % e 5%, respectivamente, da renda.

Não haverá futuro decente para o Brasil enquanto, politicamente, quem carrega a bandeira do combate à desigualdade continuar com um viés anticapitalista e quem defende a bandeira do capitalismo continuar insensível diante de um dos quadros distributivos mais iníquos do mundo.


2 comentários:

  1. Texto interessante, sobre tema fundamental. Mas, se bem entendi, "pelo dado do IBGE, o indivíduo mais rico do país tinha uma renda mensal de R$ 597 mil", significa que a base de dados do IBGE levantada neste censo não incluiu os grandes industriais e banqueiros, os principais técnicos e jogadores de futebol (Renato Portaluppi, do Grêmio, ganha 1,2 milhão mensal, e pediu 1,8 milhão/mês para renovar seu contrato) e outros profissionais muito bem pagos. Ou que muitos entrevistados (ao menos os com maior ganho mensal) não informaram corretamente o quanto ganhavam, o que pode tornar duvidosa qualidade desta base de dados e das análises derivadas apenas dela.

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  2. Recebem através de empresas. O velho jeito brasileiro de distorcer os dados. Por isso que afirma que são dados do IBGE.

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