Valor Econômico
Aprovação de PEC não deve ser fácil, mas
caminho começa a ser traçado no Senado
Levou pouco mais de uma hora para o
presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), Vanderlan
Cardoso (PSD-GO), coletar 42 assinaturas. Muito mais do que as 27 necessárias
para protocolar uma proposta de emenda constitucional.
Ele poderia aguardar um pouco mais. Mostrar
ao governo que, com mais de 50 pares ao seu lado, já teria apoio suficiente
para superar os 49 votos exigidos para a aprovação de uma PEC. Mas preferiu
tornar o texto público logo e, com isso, dar andamento às articulações para
ampliar a autonomia do Banco Central (BC) para as esferas administrativa e
financeira. Isto é, para além do âmbito operacional.
Não foi um movimento isolado. Dias antes, o senador havia almoçado com o presidente do Banco Central.
Roberto Campos Neto, aliás, diz que sempre
recorre aos escritos do avô. “Curiosamente, meu avô defendia uma autonomia que
tinha três dimensões: operacional, administrativa e financeira. Nós finalmente
aprovamos a autonomia com uma dimensão operacional”, registrou em agosto,
durante uma sessão solene feita pela Câmara em homenagem ao avô. “Hoje, depois
de algum tempo à frente do Banco Central com autonomia operacional, eu vejo a
dificuldade que é ter a autonomia operacional sem ter autonomia administrativa
e financeira. Ele escreveu sobre isso nas suas notas.”
Vanderlan também já conversou com o
presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o presidente da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (União-AP), colegiado que
analisará primeiro a proposição.
Pacheco pareceu aberto à discussão. “Me
parece uma ideia possível. Obviamente, não quero me comprometer com a tese
porque isso demanda estudos muito aprofundados. Mas me parece que a autonomia
operacional, quando vem acompanhada de uma autonomia financeira, é uma
autonomia de verdade”, disse a jornalistas em novembro.
Quanto a Alcolumbre, espera-se uma definição
sobre o relator. Uma ideia é a indicação do senador Plínio Valério (PSDB-AM),
autor do projeto de lei complementar que foi aprovado em 2021 e desde então já
assegura a autonomia operacional do BC.
O projeto de Valério era mais restrito, não
abrangeu os âmbitos administrativo e financeiro. Mas isso estava no cálculo
daqueles que patrocinaram sua aprovação. A estratégia era aproveitar um texto
que já estava em análise no Congresso, ainda que longe do considerado ideal,
mas que produzisse menos marola.
A despeito da resistência do PT, o projeto
foi aprovado. Hoje, o partido reconhece que dificilmente conseguirá reverter a
autonomia operacional do BC. Porém, a tendência é que batalhe contra a
ampliação dessa autonomia que, para a oposição e parte da base aliada,
representa um avanço institucional.
“Falar em autonomia sem ter dinheiro é não
ter autonomia”, argumenta o presidente da CAE.
Nesse sentido, a PEC prevê o uso de receitas
próprias do BC para o custeio de suas despesas. Algo que não dependeria de
recursos do Tesouro e do Orçamento-Geral da União. Segundo os defensores da
ideia, isso já ocorre em bancos centrais mundo afora, como no Canadá, Estados
Unidos, Suécia, Noruega, Austrália, Nova Zelândia, além do Banco Central
Europeu. Gestões já estão sendo feitas com o sistema financeiro no sentido de
abrir caminho para a ideia, ou seja, a cobrança de uma taxa mínima que possa
ser revertida em investimentos cujos resultados sejam tangíveis para a
sociedade.
O Pix e o Drex, a moeda digital, são alguns
exemplos citados. Mas há toda a estrutura do Open Finance e a ampliação de
projetos estratégicos relacionados a inteligência artificial e “blockchain”.
Em outra frente, alegam seus defensores, a
PEC daria ao BC mais instrumentos para a adoção de estímulos financeiros aos
servidores. O argumento é apresentado em meio à pressão da carreira por
aumentos salariais e às dificuldades operacionais do banco decorrentes desse
movimento.
Inicialmente, a PEC prevê a transformação do
Banco Central de autarquia em uma empresa pública. Um modelo é o do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Sustentável (BNDES). Contratações
poderiam ser realizadas por meio do regime jurídico previsto na Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), o que também daria ao BC maior flexibilidade na
gestão de pessoal.
Sindicalistas veem com preocupação a possível
mudança. Mas, uma fonte da Esplanada faz o contraponto: “Não dá para ter tudo”.
Ainda assim, há ambiente no Senado para alterar esse ponto da proposta.
Entre interlocutores do ministro da Fazenda,
aliás, há quem avalie que a PEC tem um caráter corporativo defensável. Mas que
sua aprovação dificilmente produziria algum efeito macroeconômico adicional.
A expectativa é que o senador Vanderlan
Cardoso procure Fernando Haddad assim que o ministro da Fazenda retornar a
Brasília. Outros integrantes da equipe econômica já estão a par do assunto, e a
percepção dos articuladores da PEC é que sua aprovação não será uma tarefa
fácil. No entanto, acreditam, o caminho já foi iniciado no Senado e há abertura
na Câmara para o debate.
Veremos.
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