quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

Martin Wolf* - Reino Unido precisa sair da estagnação

Valor Econômico

Sem acabar com a estagnação será impossível resolver seus outros problemas sociais e políticos

O Reino Unido começou o século XX como Roma e o século XXI como a Itália. A última comparação não deve ser levada muito longe: qualquer idiota pode ver que há muitas diferenças entre o Reino Unido e a Itália. Mas uma similaridade não pode ser ignorada: a produtividade, que é o principal determinante dos padrões de vida, está estagnada nos dois países.

Isso acontece na Itália desde o fim do século XX. Acontece no Reino Unido desde a crise financeira. O principal desafio econômico para o Reino Unido é acabar com essa estagnação. Sem isso, será impossível resolver seus outros problemas sociais e políticos.

Um novo e importante livro, “Ending Stagnation”, da Resolution Foundation, aborda de frente esse fracasso. Mas sua atenção não está voltada apenas em acabar com a produtividade estagnada, por mais vital que isso seja, mas também em outras fraquezas. Na verdade, o formulário de acusação revela-se deprimentemente longo. Entre as conclusões mais surpreendentes dessa longa lista de fracassos está o quanto o Brexit foi um desvio dispendioso dos desafios que o país deve enfrentar se quiser continuar a ser uma democracia próspera e de alta renda.

Comecemos com a estagnação. Entre 2007 e 2021, a produção por hora do Reino Unido aumentou 7%. Porém, de 1993 a 2007 ela aumentou 33%. Os salários médios reais por hora subiram 8% entre 2007 e 2021. Entre 1993 e 2007, porém, eles subiram 28%. Mais uma vez, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) o PIB real per capita do Reino Unido cresceu 6% entre 2007 e 2022. Isso foi melhor do que na Itália, onde o PIB per capita na verdade caiu 2% nesse período. Mas entre 1992 e 1997, o PIB real per capita cresceu 46% no Reino Unido. O dinamismo econômico do Reino Unido evaporou.

Como resultado, as rendas ficaram muito abaixo das de países semelhantes; em 2018, a renda familiar média era 48% maior no Canadá, 37% maior na Austrália e 20% maior na Alemanha. As famílias de baixa renda estavam cerca de 27% mais pobres que na França e Alemanha.

A combinação de crescimento baixo com desigualdade elevada é tóxica; os jovens nunca experimentaram o progresso salarial que seus pais tiveram, e os nascidos no início dos anos 80 tinham quase metade da chance de seus pais de chegarem aos 30 anos de idade com casa própria

A desigualdade aumentou repentinamente na década de 80 e permanece elevada desde então. Como resultado, ela é maior do que em qualquer outro grande país europeu. O salário mínimo mais elevado não alterou isso significativamente, porque os salários não se traduzem diretamente em rendas familiares relativas. O que a Resolution chama de “aperto teimoso” da desigualdade mantém sua força porque o topo da distribuição de renda se descolou do meio. Isso também se deve a cortes substanciais nos benefícios, ao fato de as pessoas com rendimentos menores trabalharem menos horas e a um aumento enorme nos custos de moradia para famílias mais pobres.

Essa grande desigualdade não ocorre apenas entre as famílias. Também se dá entre os lugares. Essas desigualdades regionais também são antigas. Assim, segundo a Resolution, “80% da variação de renda entre as áreas que vemos hoje é explicada pelas diferenças de 1997”. A diferença entre Londres e outras cidades é dramática. A capital é 41% mais produtiva do que Manchester. Paris, por outro lado, é apenas 26% mais produtiva do que Lyon.

Uma defesa padrão da desigualdade elevada é que ela cria incentivos para a inovação e o crescimento. No Reino Unido, isso tem sido falso. A combinação resultante do crescimento baixo com a desigualdade elevada é tóxica. Os jovens nunca experimentaram o progresso salarial que seus pais tiveram. Em parte por causa dos juros baixos e em parte devido ao fracasso na construção, aqueles nascidos no começo dos anos 80 tinham quase metade da probabilidade dos pais, de chegarem aos 30 anos com casa própria.

Uma importante causa imediata desses fracassos é o investimento baixo. Nos 40 anos até 2022, a taxa de investimentos fixos do Reino Unido foi a menor entre os países membros do G7. Na OCDE, em média os investimentos públicos dos países membros são também quase 50% maiores do que no Reino Unido. Essa falta de investimentos, e por conseguinte a escassez de leitos e equipamentos, é um dos motivos de o National Health Service (NHS, o serviço nacional de saúde) estar sempre à beira de um colapso. O tempo gasto no deslocamento para o trabalho também é relativamente alto. Tão ruim quanto o nível baixo é a volatilidade dos investimentos públicos, uma vez que os gastos são ligados e desligados em resposta às exigências fiscais de curto prazo.

Pelo menos tão importantes quanto, são os baixos níveis de investimentos privados. A contabilização das despesas de investimentos, anunciada por Jeremy Hunt [o secretário da Saúde britânico] em sua “Declaração de Outono”, deverá ajudar, desde que essa política dure. Dadas as reduções e alterações passadas na taxação das corporações, isso dificilmente parece provável. Um desafio importante são as restrições à construção de praticamente qualquer coisa, o que afeta a construção residencial e a comercial. Mas para investir mais, também é necessário poupar mais: o Reino Unido é um país com taxas de poupança extremamente baixas em relação às de outros países de renda alta.

Infelizmente, essas dificuldades deverão piorar. A combinação de envelhecimento, tensões geopolíticas, Brexit, juros mais altos e transição energética aumentará a pressão sobre a economia e os gastos públicos num momento em que a carga fiscal já se encontra em níveis historicamente elevados e a dívida pública já se aproxima de 100% do PIB. A Declaração de Outono recorreu à chicana de prever uma posição fiscal administrável no médio prazo.

Então, o que deve ser feito? Ao abordar essa questão fundamental, é preciso ter em mente três pontos. Primeiro, esses são problemas estratégicos, e não táticos. A economia não está proporcionando a prosperidade que a grande maioria deseja. À medida que o país for ficando para trás, a infelicidade vai aumentar. Segundo, o thatcherismo não provocou, infelizmente, um renascimento duradouro da economia. Na verdade, o crescimento antes de 2007 foi, em parte, uma ilusão. Isso precisa ser admitido de uma vez por todas. Finalmente, problemas estratégicos precisam de soluções estratégicas. Em vez disso, a governança avança de forma confusa. Mas isso simplesmente não vai funcionar. Pretendo discutir o que precisa ser feito e como, em uma coluna posterior. (Tradução de Mário Zamarian)

*Martin Wolf é editor e principal analista econômico do Financial Times.

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