quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

Fernando Exman - Tem início período de ‘years after’ da reforma

Valor Econômico

Na Fazenda, há quem compare o processo de reformar o sistema tributário ao de uma constituinte

Em um breve balanço sobre a tramitação da reforma tributária, e sua histórica promulgação nesta quarta-feira (20), uma credenciada fonte da equipe econômica faz duas observações. A primeira circunscreve-se mais à área de atuação da pasta: começa agora um longo período de transição, diz, e este será, sim, um processo trabalhoso. Mas que por si só já deve trazer benefícios para o ambiente de negócios do país.

Sabe-se que o ano que vem será em grande parte tomado tanto pela regulamentação da reforma tributária do consumo quanto pela discussão da proposta do governo em relação à tributação da renda. Não teremos um “day after”, brinca a fonte. “São ‘years after’.”

No Ministério da Fazenda, há quem compare o processo de reformar o sistema tributário ao de uma constituinte. Isto é, primeiro se dá um tortuoso período de discussão e votação da proposta. No caso da reforma tributária, isso levou mais de três décadas.

Em seguida, tem início a fase de transição, de disposições transitórias, para que se abra caminho para a apresentação e deliberação de leis complementares. É o que se espera para 2024.

A expectativa é que sejam encaminhados ao Congresso pelo menos três projetos de lei complementares. Um deve tratar do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), abordando o Imposto (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência, respectivamente, dos Estados e municípios e da União. Outro tende a ser sobre o Imposto Seletivo, enquanto o terceiro projeto regulamentará a criação e a atuação do Comitê Gestor do IBS.

Segundo um articulador político do Palácio do Planalto, não está definida ainda a estratégia de envio dessas matérias ao Parlamento. Tampouco está batido o martelo se elas serão encaminhadas em conjunto ou individualmente.

Na visão da equipe econômica, o ideal é que seja aprovado primeiro o projeto que regulamenta o Comitê Gestor. Dessa forma, o órgão poderia atuar durante a transição de regimes e ser estruturado com calma. É algo que está em aberto, porém.

Espera-se, também, uma série de medidas infralegais a serem editadas pelo Ministério da Fazenda. São ajustes no sistema que não dependem do Legislativo. Na visão do Planalto, isso pode ocorrer antes mesmo do envio das leis complementares.

Ademais, será preciso um esforço de “educação” para que empresas e contribuintes não iniciem contenciosos antes mesmo de o novo sistema entrar em vigor. “Por isso tem a transição. Muda-se a lógica. ‘Preocupar’ não é a palavra, mas existe a consciência do trabalho que vai dar”, comenta a fonte.

A segunda observação dessa autoridade é, na verdade, uma leitura política. Para ela, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sai maior desse processo. Encerra o ano com um verniz de quem se tornou o fiador da aprovação das grandes propostas que irão remodelar o Estado. Sem o deputado, sublinha, dificilmente a reforma ganharia tração na Câmara e seria promulgada hoje. E isso terá, inevitavelmente, desdobramentos na interação de Lira com outros atores políticos e econômicos.

É simbólica uma passagem da longa sessão de sexta-feira (15). A Câmara acabara de concluir a votação da Medida Provisória 1185, item prioritário da agenda legislativa da equipe econômica em seu esforço de perseguição da meta fiscal de déficit zero do ano que vem, quando o líder do governo, José Guimarães (PT-CE), pediu a palavra.

“Presidente, eu havia solicitado a palavra para falar pelo tempo da liderança do governo, se não for atrapalhar”, disse o petista, dirigindo-se a Arthur Lira.

A resposta veio em tom de conselho. E, como era de se esperar, este foi acatado. Afinal, tomando a palavra naquele momento, Guimarães poderia perder a prerrogativa de ocupar a tribuna novamente em um momento mais crítico da votação da PEC da reforma tributária.

“Eu acho melhor Vossa Excelência poupar este tempo para a reforma tributária, deputado”, afirmou o presidente da Câmara. “É o que penso, mas Vossa Excelência, regimentalmente, pode usar o tempo na hora em que lhe aprouver. Porém, a partir do momento em que o usa, num destaque mais à frente...”

Líder do Novo, partido que fazia de tudo para obstruir a sessão, Marcel Van Hattem (RS) não conteve a ironia. Queixou-se, em tom de provocação, que Lira estava ajudando “bem” o governo. Com a bola erguida, restou ao presidente da Câmara cravar: “Estou só avisando, deputado. A reforma não é do governo, deputado Marcel van Hattem. Estou falando da reforma tributária do Brasil”.

Nove horas depois, Lira anunciou que a PEC da reforma tributária estava aprovada e iria, enfim, à promulgação. De forma genérica, citou autores das propostas, técnicos legislativos, relatores e parlamentares. Ignorou os articuladores políticos do governo. Mas, por outro lado, mencionou nominalmente o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe.

Isso é visto como um ativo para aqueles que tentarão impulsionar as leis complementares da reforma tributária. E prenúncio de dificuldades para os negociadores de outras áreas do governo.

 

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