Valor Econômico
Desafio é manter a simplificação tributária
na regulamentação da reforma
O bar Beirute, tradicional reduto da boemia
na capital federal, foi o local escolhido pelos negociadores do governo, da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal para comemorar a aprovação da reforma
tributária na noite da última sexta-feira. A emenda constitucional será
promulgada hoje, no ponto alto de um ano em que reformas econômicas avançaram.
Além da tributária, passaram pelo Congresso
Nacional mudanças que vão impulsionar o mercado de crédito. Nestes últimos dias
de atividade parlamentar, podem ser apreciados marcos legais que darão base aos
investimentos sustentáveis.
É um conjunto que, bem implementado, pode dar
outra condição à economia brasileira. Foi a parte do programa do ministro da
Fazenda, Fernando Haddad, que andou bem - em contraste com a política fiscal,
que persiste como uma grande área de incerteza.
“Nenhum governo progressista pode deixar de
ser reformador”, disse à coluna o secretário de Reformas Econômicas, Marcos
Pinto. Ele comentava os avanços alcançados no ano, apesar de reformas
econômicas não terem sido exatamente uma bandeira eleitoral do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva. “O status quo no Brasil é muito ruim: a nossa economia é
ineficiente, a distribuição de renda é injusta.”
Reformas são necessárias para mudar o país,
afirmou. “Acho que o presidente sabe disso melhor do que ninguém.”
Reformar também é claramente uma linha da atuação de Haddad. Ele criou no Ministério da Fazenda duas secretarias que levam o termo “reformas” no nome: a de Reformas Econômicas e a Extraordinária da Reforma Tributária, liderada pelo economista Bernard Appy.
As mudanças aprovadas neste ano resultam da
convergência entre a pauta econômica do governo e a do Congresso. A reforma
tributária era articulada pelos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e
do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), desde o governo passado. A isso, somou-se
este ano a atuação decisiva de Lula, Haddad e Appy.
Da mesma forma, a principal reforma aprovada
na área de crédito, o marco de garantias, foi encaminhada ao Legislativo pela
equipe do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. No atual governo, sob a
articulação discreta de Pinto, o texto passou por adequações.
A convergência não significou uma tramitação
tranquila para todas as matérias. Nos bastidores, avalia-se que a aprovação da
reforma tributária foi um resultado bastante bom, considerando o quadro de
aguda polarização visto nas eleições de 2022 e o tamanho do desafio político
que foi construir apoio para eliminar bilhões em incentivos fiscais e
transformar a Federação, ao mudar o fluxo de receitas entre Estados e
municípios.
Um reflexo do bolsonarismo pode ser visto na
derrubada do dispositivo que incluía armas e munições compradas por
particulares na base de incidência do novo Imposto Seletivo. O governo avalia
se será possível contornar o problema na legislação complementar.
O conjunto de reformas vai impactar a
economia. “As medidas que estendem as garantias dadas em concessões de crédito
são positivas na medida em que, de per si, reduzem os efeitos de eventual
inadimplência”, afirmou o economista-chefe do Fator, José Francisco de Lima
Gonçalves. “São, assim, favoráveis à expansão do crédito e a taxas de juros
menores, posto que o risco está contido nos spreads bancários.”
Ele lembra que, por outro lado, as garantias
executadas retornam ao cálculo dos spreads. “Ou seja, o importante é a
estabilidade da renda e das condições de crédito”, avaliou.
A reforma tributária, por sua vez, tem sido
comparada ao Plano Real. Após sua aprovação, a agência classificadora de riscos
Standard & Poor’s elevou a classificação do Brasil.
Porém, ainda é preciso dar carne e osso às
mudanças. São dois os focos principais do governo para os debates que ocorrerão
em 2024 em torno da legislação complementar. O primeiro, a definição exata dos
produtos e serviços que estarão enquadrados na alíquota reduzida do novo
Imposto sobre o Valor Agregado (IVA). O segundo, o cuidado para que o novo
sistema seja simples como o prometido.
Para Gonçalves, as exceções vão gerar
confrontos adiante. “No fim das contas, a reforma foi favorável ao menos no
tema da complexidade.”
Nas discussões entre técnicos a palavra de
ordem é não complicar para os contribuintes. O desafio é garantir que essa boa
intenção não se perca.
Além da grande quantidade de tratamentos
tributários favorecidos, a reforma tributária tem sido atacada por recair mais
pesadamente sobre o setor de serviços. Esse segundo ponto deverá voltar à pauta
no início de 2024, quando será discutida a reforma do Imposto de Renda.
O avanço dessa agenda num momento em que
economistas investigam se as reformas aprovadas desde o governo de Michel Temer
(2016-2018) teriam mudado o potencial de crescimento do Produto Interno Bruto
(PIB) parece ser boa notícia. Resta cuidar para que a implementação seja feita
de forma cuidadosa e segura do ponto de vista jurídico. E que o caminho não
seja obstaculizado por recaídas no populismo fiscal.
Verdade.
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