Folha de S. Paulo
Jornalismo, que ajudava a estabelecer um
conjunto de fatos reconhecidos por todos, vive crise, o que pode ter impacto
sobre a democracia
"Pode existir uma democracia saudável sem um conjunto comum de fatos?" Esse é o título do editorial que a revista britânica The Economist publicou esta semana ao promover uma discussão sobre o papel do jornalismo que ganhou a capa do hebdomadário. Um dos editores do órgão britânico acusa a mídia mainstream americana, em particular o New York Times, de estar se aproximando demais da visão de mundo do Partido Democrata, e, com isso, alienando o público mais conservador, com impactos deletérios para a democracia.
Há um ingrediente de rixa pessoal aí, como
explica o Nelson de Sá
em sua coluna, mas que não anula a discussão. A democracia depende
mesmo de um entendimento comum sobre quais são os fatos do mundo? Eu mesmo já
defendi essa tese algumas vezes, mas a leitura de "The Constitution of
Knowledge", de Jonathan
Rauch, que comentei aqui,
me fez ver que a questão é mais complicada.
Rauch mostra que não há e nunca houve consenso em torno dos fatos. Basta ver
que, hoje, dois terços dos americanos acreditam que anjos e demônios atuam no
mundo; 75% creem em fenômenos paranormais; e 20% pensam que o Sol gira em torno
da Terra. Esses números não foram mais iluministas no passado.
Segundo Rauch, não precisamos de unanimidade
em torno do que são fatos, mas só de que uma elite política e intelectual seja
capaz de concordar sobre qual é o método válido para estabelecê-los. É esse
consenso que passa por dificuldades. E, diga-se em favor do NYT, muito porque o
Partido Republicano passou a defender teses alucinadamente contrárias aos
fatos. Meu palpite é que o contato direto entre políticos e eleitores através
de redes sociais radicaliza as duas partes.
Seja como for, estou de acordo com o essencial do editorial da revista. Ainda é cedo para desistir dos princípios do liberalismo político. Um mundo pautado só por nossas intuições morais tende a ser um mundo mais raivoso e menos inteligente.
A paranormalidade é um fenômeno factual incontestável,a mediunidade,que é outra coisa,também.
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