Valor Econômico
Os três maiores gestores de fundos de índices
têm proporção cada vez maior das empresas listadas em bolsa nos EUA
Pesquisadores da Harvard Law School, Lucian
A. Bebchuk e Scott Hirst dedicam um extenso artigo ao avanço do poder de
controle dos Big Three sobre os mercados financeiros e sobre as empresas ditas
‘produtivas”.
Os autores mostram que os três maiores
gestores de fundos de índice - BlackRock, Inc. State Street Global Advisors,
uma divisão da State Street Corporation (“SSGA”); e o Vanguard Group
(“Vanguard”) - coletivamente conhecido como os “Três Grandes” - possuem uma
proporção cada vez maior de empresas listadas em bolsa nos EUA.
Consequentemente, em suas decisões enquanto gestores de fundos de índice, eles monitoram, votam e se envolvem com as empresas abrigadas em seus portfólios. Essas decisões provavelmente terão impacto profundo na governança e no desempenho das empresas e da economia. A natureza e a qualidade da administração das Três Grandes são, portanto, objeto de debate acalorado.
Na mesma direção, a pesquisadora Albina
Gibadullina, da Universidade British Columbia publicou recentemente vários
artigos para revelar que mais da metade de todas as empresas listadas
globalmente em bolsas são agora de propriedade direta de empresas financeiras.
Albina se propõe a demonstrar que “as
finanças desempenham um novo papel na economia global como proprietárias de
empresas, concedendo aos atores financeiros formas diretas de influência sobre
as atividades econômicas dessas instituições privadas”.
Em segundo lugar, diz Albina, o aumento da
propriedade financeira nas últimas duas décadas foi impulsionado pela
proliferação de fundos de índice, Assim, as atividades dos três maiores
acionistas do mundo podem servir como um indicador dos desenvolvimentos futuros
no cenário global de investimentos.
Embora a estratégia de investimento
predominantemente passiva dos Três Grandes os torne proprietários universais,
Albina procura demonstrar que os Três Grandes detêm investimentos de tamanhos
desproporcionais não apenas em setores econômicos, mas também em regiões do
mundo.
Essa distribuição desigual dos investimentos
sugere que a disseminação do investimento passivo fez com que certos setores e
regiões se tornassem locais privilegiados de investimento por meio de sua
inclusão nos índices do mercado de ações.
Enquanto a pesquisa existente destaca como os
gestores de ativos podem ser geograficamente seletivos como investidores
ativos, Albina enfatiza que a ascensão do investimento passivo produziu um
cenário nitidamente novo, geograficamente desigual, dos fluxos globais de
capital. Albina pretende enfatizar, sobretudo, que a ascensão dos mercados
financeiros exprimem a capacidade das instituições mais poderosas tornarem-se o
elo central que conecta as empresas aos acionistas e, simultaneamente, promove
à centralização (e não à democratização) da propriedade do capital. A
concentração de capital tornou-se tão severa que as Três Grandes agora
respondem por 80% a 90% de todos os ativos sob gestão nos EUA.
A recente concentração na participação
acionária foi impulsionada pelo crescimento excepcional dos fundos de índice,
que são carteiras de investimento de gestão passiva atreladas a determinados
índices do mercado de ações.
Por causa de seus custos gerais muito
menores, os fundos de índice podem oferecer taxas de administração 10 vezes
menores do que as cobradas pelos fundos ativos, tornando-os cada vez mais
atraentes para potenciais investidores.
Embora os fundos de índice tenham uma
estratégia de investimento que acompanham passivamente os índices do mercado de
ações em suas carteiras, eles não são necessariamente investidores passivos
quando se trata de questões de governança corporativa.
Professor da Universidade de Cingapura,
Jang-Sup Shin investigou o predomínio crescente, agora avassalador, do assim
chamado “valor do acionista” na definição das estratégias empresariais nos EUA.
A expressão “valor do acionista” sintetiza o conjunto de práticas de gestão
empresarial que buscam maximizar a extração de valor de um ativo já existente
em detrimento da criação de valor mediante o investimento em um novo ativo
reprodutivo.
Inverteu-se a relação entre os recursos
destinados ao investimento e aqueles utilizados para propiciar a elevação
“solidária” dos ganhos dos acionistas e a remuneração dos administradores
(“stock options”). A associação de interesses entre gestores e acionistas
estimulou a compra das ações das próprias empresas com o propósito de
valorizá-las e favorecer a distribuição de dividendos. A isso se juntam a febre
das fusões e aquisições, o planejamento tributário nos paraísos fiscais, o
afogadilho das demonstrações trimestrais de resultados e as aflições das
tesourarias de empresas e bancos açoitadas com o guante da “marcação a
mercado”.
As mudanças na composição da riqueza e as
transformações nas estratégias das empresas explicam a fúria de fusões e
aquisições no setor privado e a sanha das privatizações de bens públicos. O
rentismo exercita seus propósitos ao se beneficiar de um ativo já existente, de
preferência criado com dinheiro público e gerador de renda quase monopolista. A
onda de privatizações obedece à lógica patrimonialista e rentista do moderno
capital financeiro.
Há quem imagine a lógica da “financeirização”
da riqueza como uma anomalia do capitalismo contemporâneo, “descolada” da
produção de bens e serviços. Desconfiava um pensador do século XIX que essas
formas de valorização da riqueza são, a um só tempo, formas ilusórias, enquanto
ocultam relações de produção subjacentes e formas necessárias, enquanto
expressões dessas relações transformadas pela “realidade” da acumulação de
riqueza, sob a forma inexoravelmente monetário-financeira.
O dinheiro e a finança são formas necessárias
da riqueza no capitalismo de todos os tempos e em todos os tempos. Seu modo
abstrato de ser, (des)governa tiranicamente as ilusões da racionalidade e do
equilíbrio - refúgio dos economistas - como o fantasma de Banquo assombrava
Macbeth.
Shakespeare estava de olho.
*Luiz Gonzaga Belluzzo é professor emérito do Instituto de Economia da Unicamp e da Universidade Federal de Goiás.
Lendo e tentando aprender.
ResponderExcluir