terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Rana Foroohar* - Trump, segundo capítulo

Valor Econômico

A comunidade empresarial está preocupada com a possibilidade da volta de Trump

Como seria outro governo Trump? Por mais terrível que essa possibilidade possa parecer para muitos, ela é um assunto que os executivos começam a ter de enfrentar. Por razões que vão desde a inflação, o conflito em Gaza e a idade de Biden, a forma hábil como o atual governo está lidando com uma recessão, uma pandemia e a guerra na Ucrânia não está se refletindo nas pesquisas. Muitas delas colocam Donald Trump novamente na Casa Branca em 2024.

A despeito das inúmeras acusações criminais contra o ex-presidente, parece uma conclusão precipitada que Trump será o candidato republicano. Mesmo assim, grandes doadores como a Americans for Prosperity Action, apoiada pelos irmãos Koch, estão apostando na campanha de Nikki Haley, o que mostra como a comunidade empresarial está preocupada com a possibilidade da volta de Trump.

Para começar, os executivos temem qual Trump eles terão se ele for reeleito em novembro. Será o Trump “laissez-faire”, ou o Trump “América em primeiro lugar”? Em 2016, Trump falou duro sobre o “Made in America” e a ajuda aos trabalhadores, mas a maior parte de sua política (além das tarifas impostas à China) foi conservadora. Ele reverteu regulamentações e reduziu os impostos para as grandes corporações. Grande parte do dinheiro foi para a recompra de ações, e não para investimentos nas pequenas empresas.

Isso estimulou os preços das ações no curto prazo, que também foram beneficiados pelos juros baixos. Mas é improvável que vejamos o mesmo fenômeno em um segundo governo Trump. Seu mandato marcou o ápice do crescimento financeirizado, que está agora em grande parte esgotado. Tal como expôs o documento “O fim de uma era”, divulgado pelo Federal Reserve (Fed) em junho de 2023, cerca de 50% do crescimento real dos lucros corporativos entre 1984 e 2020 resultou da queda secular das taxas de juros e do corte dos impostos corporativos. Foi isso que impulsionou tanto a alta das ações nos últimos anos.

Hoje, o índice Standard & Poor’s 500 (S&P 500) está, em alguns aspectos, mais sobrevalorizado do que quando a bolha imobiliária explodiu, segundo aponta um relatório recente da Currency Research Associates. Nesse cenário, é difícil ver as ações subindo, mesmo que o Fed comece a cortar os juros diante de uma recessão. É muito mais provável que elas caiam, apesar de eventuais novos cortes nos impostos por Trump.

E esse é o cenário mais agradável. Uma possibilidade mais provável é que desta vez tenhamos uma versão mais dura, mais insular, xenofóbica e paranoica de Trump. Para começar, poucos dos empresários mais moderados que trabalharam com ele no primeiro governo estariam dispostos a entrar num segundo governo, dado o espectro da baderna no Congresso em 6 de janeiro e a contínua negação da derrota eleitoral de Trump.

A comunidade empresarial já está preocupada com a propensão do ex-presidente para o desperdício fiscal num momento em que o déficit crescente dos EUA preocupa os investidores. Acrescente-se a isso a possibilidade de uma tarifa geral de 10% sobre as importações, que Trump apresentou como uma potencial política de segundo mantado, e os CEOs ficam ainda mais preocupados.

Isso desemboca no que foi um dos maiores problemas das estratégias comerciais e econômicas de Trump desde o começo: uma tendência de culpar a China e empregar tarifas como solução única para o grande e complexo problema do crescimento secular mais lento e da crescente desigualdade nos EUA. Não que Trump pareça pensar em termos tão sutis.

Hoje, o S&P 500 está, em alguns aspectos, mais sobrevalorizado do que quando a bolha imobiliária explodiu, segundo a Currency Research Associates. Nesse cenário, é difícil ver as ações subindo, mesmo que o Fed comece a cortar os juros diante de uma recessão

O fato é que os problemas econômicos e políticos da América têm a ver apenas parcialmente com as falhas da globalização e o sistema comercial neoliberal em particular. Eles também dizem respeito à falta de investimentos em casa, em infraestrutura básica, capacitação e educação, bem como em pesquisa e desenvolvimento.

É claro que Biden enfrentou muitas dessas questões com mais estímulos fiscais do que os vistos desde a era Eisenhower. Ao mesmo tempo, seu governo tentou realizar o trabalho desafiador mas necessário de surgir com um novo modelo econômico, mais sustentável e inclusivo, em casa e no exterior.

Isso é uma política industrial inteligente e é algo que Trump parece não ter nem a propensão nem a capacidade para fazer. Fiquei impressionado durante a pandemia, por exemplo, que apesar de toda a conversa dura de pessoas como o ex-assessor econômico de Trump Peter Navarro sobre os EUA não serem capazes de fabricar, digamos, equipamentos básicos de proteção individual, ninguém na Casa Branca tinha qualquer ideia do que o país poderia ou deveria fazer.

O governo Biden, pelo contrário, produziu um importante relatório sobre as cadeias de suprimentos em seus primeiros cem dias e começou a reconstruir a indústria de semicondutores dos EUA e a lutar para garantir uma transição verde justa e segura.

Os planos do atual governo não são perfeitos. Mas Biden entende que não se pode simplesmente atacar a China - é preciso criar uma mudança de paradigma em casa se a América quiser recuperar seu encanto político e econômico.

O excepcionalismo dos EUA sempre se baseou na imigração, como expõe o escritor David Leonhardt em seu novo livro, “Ours Was the Shinning Future: The Story of the American Dream”. Foi a imigração que garantiu uma tendência de crescimento mais elevado do que em outros países desenvolvidos e, nos últimos anos, ajudou a atenuar a inflação. Trump, é claro, quer erguer um muro - em todos os sentidos. As empresas deveriam pensar bem sobre o que isso significaria, para elas e para o país, e fazer tudo o que puderem para garantir que isso não aconteça. (Tradução de Mário Zamarian)

*Rana Forrohar é editora especial do Financial Times em Nova York.

 

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