Folha de S. Paulo
Termômetros indicam água tépida; desafios com
o Congresso vão ser decisivos
O primeiro ano do governo de Lula foi bom?
Ruim? Nem tanto?
Diante da funesta administração de Jair
Bolsonaro, uma eleição que conduzisse à Presidência uma liderança
democrática, desobrigada da agenda obscurantista, armamentista, negacionista e
golpista do capitão, já seria uma notável conquista para o Brasil.
Ela veio
com Lula, o único político que reunia condições de bater a coalização
populista ultraconservadora no poder. A
vitória, a ser comemorada, foi apertada, como se sabe, com apoios
importantes de setores do centro e da direita civilizada.
Diante do destrambelhamento fiscal da gestão anterior, malgradas as simpatias liberais dedicadas ao mitômano Paulo Guedes (o adjetivo é do economista Pérsio Arida), a grande inquietação do mercado voltou-se prontamente para a política econômica. O pior de Dilma Rousseff estaria a caminho, era essa a paranoia rediviva.
Percebendo o indisfarçável legado de gastança
astronômica, desmoralização do teto de gastos, manipulação de impostos, armação
de preços artificiais e intervencionismos eleitoreiros, Lula fez algo
inédito: aprovou
antes de tomar posse uma PEC para evitar o naufrágio do Orçamento, de
seu governo e do país.
Nomeou Fernando
Haddad para a Fazenda e
aprovou uma nova
regra fiscal que afastou, ao menos provisoriamente, temores quanto a
uma crise que pudesse elevar a dívida e o déficit públicos a patamares
norte-americanos.
Os bons resultados do PIB e da inflação,
decepcionando as expectativas do boletim Focus (a.k.a. Fora de Focus), bem como
a retomada de programas sociais e outras medidas, ajudaram o presidente a
contar com um colchão, ou ao menos um tatame, para atravessar seu primeiro ano.
Os erros e deslizes não foram poucos. Afora o
gleisismo anacrônico do PT, Lula, ele mesmo,
sob pressões de todos os lados, inclusive suas, tropeçou
na modulação do discurso e vacilou em decisões.
Conhecido língua-solta, o presidente deu a
sensação em alguns momentos de estar tomando alguma espécie de viagra verbal.
Atravessou a partitura, subiu o tom, mesmo quando com razão no mérito, e cometeu
gafes em série.
Seduzido pela volta
do Brasil ao mundo e por sua própria volta ao clube dos líderes globais,
entregou-se a um estrelismo de tapete vermelho que extrapolou uma desejável
atuação internacional mais sóbria e concentrada nos interesses do país. Com
direito, lembre-se, a uma paparicada palaciana em Maduro,
o ditador xodó do PT, maior criador de problemas da região.
Bem, balanços detalhados do ano governamental
virão por aí. E o papel do perigoso e resiliente circo da extrema direita terá
de ser levado em consideração.
O que gostaria de constatar aqui é que no
final das contas parece ter ficado no ar a impressão de um suave sucesso,
embora, para muitos, a de um suave fracasso. Com as divisões mantidas e um
terço da população sem pender para um lado ou para o outro, os termômetros das
pesquisas e da opinião pública em 2023 registraram água tépida.
Um dos vetores vitais da gestão de Lula foi e
segue sendo a negociação
pela governabilidade, os conchavos de "coalizão" com a cúpula
chantagista do Legislativo e suas bancadas famintas.
Do desenrolar dessa realpolitik dependerá boa
parte das chances de o ministro Haddad erguer no próximo ano um escudo contra o
tiroteio fiscalista, a sabotagem petista e a fabricação de um descrédito da
Fazenda.
Esperemos que 2024, além de prefeitos
melhores, nos traga um pouco menos de presidente ególatra, de PT emburrado, de
Legislativo aproveitador, de oposição vomitante, de STF acrobático
e de agentes do mercado que tratam a distinta plateia como boba.
Excelente! É bem isto.
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