segunda-feira, 25 de dezembro de 2023

Marcus André Melo* - A política da imperfeição

Folha de S. Paulo

Como a mudança nas regras foi aprovada, se havia múltiplos atores com poder de veto?

O ministro Fernando Haddad afirmou que a Reforma Tributária aprovada não é perfeita porque é parte de um esforço coletivo. Para o presidente Lula, deveu-se a Deus todo-poderoso e à arte da negociação. Na realidade, são outras as razões que explicam por que ela foi aprovada e por que é imperfeita.

Lembro Maquiavel sobre a sina de reformas que impõem custos concentrados a setores específicos e benefícios difusos para toda a sociedade: "Não há nada mais difícil, perigoso e de resultado mais incerto do que começar a introduzir novas leis, porque o introdutor tem como inimigos todos aqueles a quem aproveitam as antigas e como frouxos defensores quantos viriam a lucrar com as novas".

Com setores antirreforma mobilizados e reformistas desorganizados, o resultado é um viés pró status quo. Maquiavel também argumentou que os "profetas armados", que combinavam ardor e coerção, sempre triunfavam. Mas, nas democracias, essa opção está descartada. Como a reforma foi aprovada, se há múltiplos atores com poder de veto?

A questão já foi explorada na literatura. Reformas desse tipo tornam-se viáveis politicamente 1) compensando os perdedores; e 2) diferindo no tempo o impacto da mudança. O resultado da reforma depende da calibragem desses dois aspectos. Mas, no caso da reforma tributária aprovada, claramente ela falhou. Senão vejamos.

Para compensar os estados, setores e empresas perdedoras foram criados fundos bilionários e alíquotas reduzidas: R$ 570 bilhões em 14 anos (2029 a 2042) e mais R$ 60 bilhões anuais a partir de 2043 irão compor o Fundo de Desenvolvimento Regional (FNDR). Tudo fora do limite de despesas primárias do arcabouço fiscal. O setor automobilístico terá RS 160 bilhões entre 1925 e 1932, que também não entrarão no cômputo das despesas primárias.

As alíquotas serão de 60% para 13 setores da economia, como o agronegócio; de 40% para saúde, transporte público e outros; de 30% para profissionais liberais. Para outros, será zerada. O resultado dessas compensações é uma elevadíssima alíquota-padrão no novo IVA.

As mudanças nas regras também são diferidas no tempo e só entrarão em vigor plenamente após dez anos. A compensação dos perdedores se estenderá por inacreditáveis duas décadas.

A peleja na qual se busca garantir tratamento privilegiado recrudescerá no próximo semestre, quando as leis complementares serão votadas.

Com tantas compensações e tamanha extensão no tempo, os custos da transição representarão parcela desproporcional dos benefícios futuros. O avanço é lampedusiano: só será sentido pelas gerações futuras. É como se houvesse um grande conluio no qual setores rentistas beneficiados cobram um robusto pedágio pela mudança.

*Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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