Folha de S. Paulo
País sul-americano construiu verdadeira
ojeriza da política e tem recuperação difícil após protestos com dezenas de
mortos
Dezembro de 2022 foi um mês duro para o Peru. E, um ano
depois, com uma situação algo instável, segue existindo um sentimento de
revolta e tensão em várias regiões do país que, a qualquer momento, poderia se
transformar em um novo pico de convulsão social.
A situação inicial foi provocada pela tentativa
de autogolpe do presidente Pedro Castilho em 7 de dezembro do ano passado.
O esquerdista tomou essa decisão depois de pressionado e alvo
de tentativas de impeachment por parte do Congresso em seu curto
período de um ano de governo. Castillo
terminou preso e julgado.
Uma vez que era popular no setor rural, as manifestações contra sua saída do cargo foram iniciadas por camponeses que rumaram à capital, Lima, e a outras grandes cidades peruanas, recebendo o apoio de setores urbanos. Os protestos duraram meses.
A repressão foi e vem sendo brutal, deixando
um saldo de, até o momento, ao
menos 49 mortos e 600 feridos. Boa parte das críticas se dirige a Dina
Boluarte, vice-presidente
de Castillo que assumiu seu cargo. Embora fosse a segunda na linha de
sucessão, ela não é aceita pelos apoiadores do esquerdista, sendo considerada
uma "traidora".
Na semana passada, uma bonita e triste
cerimônia teve lugar em Huamanga, na região de Ayacucho, já castigada no
passado por conta do conflito com o grupo
terrorista e marxista Sendero Luminoso.
Centenas marcharam em homenagem a dez mortos
por forças combinadas entre Exército e polícia local, há um ano, na região. As
vítimas, em geral, estavam tentando retomar o aeroporto local, ocupado pelas
forças de segurança, mas foram vítimas de disparos de armas de fogo que,
segundo testemunhas, eram ouvidos a vários quarteirões de distância.
No último dia 16, houve novos distúrbios,
causados por parentes e amigos dos assassinados no aeroporto. Na sequência,
mais mortes.
Este é um pequeno exemplo do que se passou em
várias cidades do Peru que hoje vivem uma instável forma de normalidade. Por
várias semanas, Lima viveu enfrentamentos mortais, com forte repressão que, em
grande parte, tinha como alvo os seguidores de Castillo vindos do interior.
Castillo nunca integrou o Sendero Luminoso,
mas sim os grupos de autodefesa que defendiam a população, os chamados
"ronderos". Ambos atuaram no chamado
período de terror que o país viveu entre 1980 e 2000 e que matou mais de 70 mil
peruanos. Sempre foi muito difícil que a elite peruana aceitasse o Perú
Libre, partido de Castillo, formado por "senderistas", mas também por
"ronderos".
Ayacucho abriga filhos e netos daqueles que
morreram no enfrentamento entre o Exército e o Sendero, um lugar que simboliza
as feridas do Peru nos últimos cem anos.
Hoje, há
investigações abertas contra vários dos responsáveis pelas matanças de 2022.
As forças de segurança, porém, dizem que o episódio foi uma reação de legítima
defesa, pois o aeroporto estava cercado.
O Peru atravessa uma onda de instabilidade
política desde o mandato interrompido de Pedro Pablo Kuczynski, em 2018,
que renunciou
antes de sofrer uma moção de vacância (espécie de impeachment),
seguido por outros presidentes breves, como Martín Vizcarra, Manuel Merino e
Francisco Sagasti, tudo em um só período de mandato.
Tamanha instabilidade levou os peruanos a
cultivarem uma ojeriza em relação à política que culminou
na eleição do desconhecido Castillo. Dina Boluarte, ainda com sua baixa
popularidade e a legitimidade questionada, tem pelo menos duas tarefas: levar o
país em aceitável normalidade democrática até as próximas eleições e fazer
Justiça com relação aos abusos de direitos
humanos em sua gestão.
*Historiadora e jornalista especializada em América Latina, foi correspondente da Folha em Londres e em Buenos Aires, onde vive.
" Dezembro de 2022 foi um mês duro para o Peru. "
ResponderExcluir😆😆😆
" Sempre foi muito difícil que a elite peruana aceitasse o Perú Libre. "
ResponderExcluir😅😅😅