Trata-se de um momento decisivo para a
política fiscal brasileira em função especialmente de três eventos paralelos
com profundos impactos nas finanças públicas.
Em primeiro lugar, a implantação do novo regime fiscal previsto na recém aprovada Lei Complementar 200/2023 e da meta enviada no texto do PLDO/2024, fixando déficit primário zero já no próximo ano. A declaração do próprio presidente da República, em entrevista coletiva, onde afirmou: “... Quero dizer para vocês que nós dificilmente chegaremos à meta zero”, fortaleceu incertezas já presentes e desencadeou diversas iniciativas visando a mudança da meta fiscal para 2024. O Ministério da Fazenda reafirmou o compromisso com o déficit primário zero no próximo ano e parece ter pacificado a questão.
Em segundo lugar, a iminente aprovação, pelo
Congresso Nacional, da Reforma Tributária. Embora seu foco não seja o ajuste
fiscal, e sim a simplificação do sistema e o aumento da eficiência e
produtividade geral da economia, certamente poderá produzir efeitos
positivos no aumento das receitas públicas, assim como gera pressão por
novas despesas primárias através dos fundos criados e autorizados. Neste
momento é difícil mensurar estes impactos porque o texto constitucional ainda
poderá ser alterado na Câmara dos Deputados e ainda restará uma longa caminhada
nas votações das leis complementares e ordinárias, que detalharão a
reforma.
Por último, a tramitação do conjunto de
iniciativas legais do governo federal visando o aumento de arrecadação
necessário para o cumprimento da meta de resultado primário zero. Ainda é
difícil antever quais as medidas receberão ou não aprovação parlamentar. E
posteriormente, quais ensejarão questionamentos judiciais. Constam deste rol de
propostas a tributação federal sobre subvenções econômicas oferecidas pelos
estados, apostas eletrônicas de quota fixa, fundos fechados e offshores
(aprovada esta semana) o fim da dedutibilidade de Juros sobre o Capital
Próprio, o Novo Regime de Tributação Simplificada sobre
importações (RTS), além da recuperação de créditos
no âmbito do CARF.
A IFI, mesmo diante deste quadro volátil
povoado de incertezas, faz através do RAF 82 sua revisão de cenários,
com a atualização das projeções de curto e médio prazos, sempre
trabalhando com um cenário base, um cenário otimista e outro pessimista. A IFI
projeta um crescimento real do PIB no cenário base, este ano, de
3,0%, declinando em 2024 para 1,2% e situando-se nos anos subsequentes no
patamar médio de 2,0%. Quanto à inflação, a IFI projeta um IPCA de
4,6% em 2023, 4,0% em 2024, e nos anos subsequentes, uma
suave convergência em direção ao centro da meta. Pesam sobre estes
cenários delineados as incertezas no plano doméstico e os elementos
criticamente adversos do cenário externo (política monetária americana,
desaceleração do crescimento chinês, conflitos na Ucrânia e no Oriente Médio,
crise na Argentina, etc.).
O novo cenário macroeconômico revisado pela IFI necessariamente impactará no comportamento das receitas orçamentárias do OGU. Mesmo considerando a elasticidade receita/PIB, o RAF 82 identifica uma perda de impulso advindo do movimento virtuoso do aumento dos preços das commodities, elemento decisivo para os ganhos em 2021 e 2022, e a impossibilidade de aquilatar, neste momento, os efeitos da reforma tributária. Considera, ainda, os impactos da renovação da desoneração da contribuição previdenciária, aduzida da redução de alíquota para municípios menores, introduzida pelo Congresso Nacional.
A IFI projeta um resultado muito mais
conservador para as novas receitas advindas do conjunto de projetos de lei e
medidas provisórias em apreciação pelo Congresso Nacional; realça os efeitos da
queda da produção e dos preços do petróleo nas receitas orçamentárias; indica a
queda da receita de dividendos e participações, em função da estratégia de
retenção de fundos pelas estatais para suportar o aumento de investimentos;
detecta o aumento das transferências já que haverá incremento
das receitas compartilhadas; e, prevê a convergência da arrecadação
líquida do RGPS para o eixo de 5,7% do PIB. Como cenário de médio prazo, a IFI
estima que as receitas estarão cada vez mais alinhadas com a evolução
do PIB nominal.
Em relação ao desempenho das despesas primárias e sua repercussão no resultado fiscal, a IFI considera baixo o risco de descumprimento dos limites fixados para 2023, graças as flexibilizações introduzidas pela Emenda Constitucional no. 126, conhecida como a “PEC da Transição”. Dentro disto, a meta de déficit para 2023 é de 65,9 bilhões de reais. O déficit primário efetivo, no entanto, deverá se situar, segundo a IFI, acima de 1% do PIB. A arrecadação vem tendo um desempenho abaixo do previsto, mas as despesas também caíram em relação à estimativa de maio. As despesas com pessoal e encargos caíram em relação a previsão anterior. Já os desembolsos do INSS (RGPS) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) observaram um discreto aumento. O Programa Bolsa Família, após sua ampliação, deverá consumir 167,3 bilhões em 2023.
A IFI destaca que a limitação dos gastos com precatórios deriva em um alívio no curto prazo e uma sobrecarga à médio prazo. A situação poderá ser invertida se a AGU obtiver êxito em sua consulta ao STF, o que permitirá a regularização do fluxo de pagamentos dos precatórios e honrar estes passivos através de créditos extraordinários. A IFI identifica elevado risco de descumprimento das metas de resultado primário a partir de 2024. O ajuste é desafiador e está centrado principalmente no desempenho das receitas primárias.
A IFI
projeta déficits primários em 2024 de 0,9% do PIB no cenário otimista, 1,1% do
PIB no cenário base e 1,5% no cenário pessimista, como uma melhoria a médio e
longo prazos nos cenários otimista e base. Além disso, a IFI aponta que a
Reforma Tributária gerará impactos adicionais na ampliação das despesas
primárias graças à criação do Fundo de Desenvolvimento Regional e do Fundo de
Compensação de Benefícios Fiscais e da autorização de criação de dois
outros fundos voltados para o desenvolvimento da Amazônia.
Por último, o RAF 82 trata da dinâmica da dívida pública. A IFI realça que a Dívida Bruta deve subir a 75,1% do PIB em 2023 e 78,1% em 2024, permanecendo em trajetória ascendente nos anos subsequentes. No cenário base revisto, a IFI identifica que o resultado primário necessário para estabilizar a dívida é de 1,4% do PIB. Na atualização dofan chart, a partir de diferentes mil e quinhentos cenários estocásticos, a IFI projeta que a probabilidade de a DBGG cruzar o patamar de 90% do PIB, entre 2024 e 2028, é de 38,7%.
Com a atualização de cenários
feita neste RAF 82, a IFI reafirma sua percepção de que o cenário fiscal
de curto e médio prazo é extremamente delicado e que as instituições
brasileiras têm que redobrar esforços para garantir um horizonte fiscal
consistente como elemento essencial do processo de desenvolvimento
sustentado.
*Economista e Professor. Ex-Deputado Federal
pelo PSDB-MG. Secretário de Estado de Saúde de Minas Gerais (2003-2010).
Diretor-Executivo do IFI – Instituição Fiscal Independente do Senado.
Muito bom! Parabéns ao autor e ao blog que divulga seu trabalho!
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