sábado, 2 de dezembro de 2023

Poesia – Zelito Magalhães* - O jornaleiro

Nascido no bairro pobre

Onde os pés da gente nobre

Jamais lá foram pisar

Ali criou-se um menino

Que, por culpa do destino

Nunca leu o B-A-BÁ.

 

Ainda na tenra idade

A grande necessidade

O tirou do doce lar.

Para ajudar no pão

Buscou uma profissão

Pois tinha que trabalhar.

 

Foi ele ser jornaleiro

Trocando tão prazenteiro

O bairro pelo centrão.

Todo dia trabalhando

Logo foi se acostumando

A gritar o seu pregão.

 

Pés descalços, maltrapilho

Percorre as ruas o filho

Da rude periferia.

Quando a tarde se dispersa

Ao barraco ele regressa

Depois de puxado dia.

 

Não existe diferença

Tudo que diz a imprensa

Tudo que sai no jornal

As manchetes decoravam

No seu pregão explorava

O fato sensacional.

 

Um dia, porém, senhores

Dobra o número de leitores

Cresce a venda do jornal:

Dois corpos ensanguentados

Na manchete são mostrados

Do crime passional.

 

Não quis ele acreditar

No que pode constatar

Na sua turva visão:

Era o pai, a mãe querida

Tudo que tinha na vida

Que desabou, veio ao chão.

O jornaleiro não lê

Porém, as fotos que vê

Lhe partem o coração.

A dor no peito pungia...

O pobre, naquele dia,

Não gritou o seu pregão.

*Zelito Magalhães, jornalista, escritor e poeta (Fortaleza-CE


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