quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Maria Cristina Fernandes - Notas dissonantes em dia de festa

Valor Econômico

Há brechas na oposição a serem exploradas que são menos comprometedoras do que a aliança incondicional com o STF

Além de solene, era pra ser uma sessão festiva. O Congresso reuniu a cúpula dos Três Poderes para promulgar a reforma tributária. Até afagos públicos os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), trocaram.

Numa algazarra, os parlamentares governistas gritavam “Lula, guerreiro, do povo brasileiro”, para abafar, com sucesso, aqueles de oposição que concorriam, no mesmo tom: “Lula ladrão”. A cena traduzia, ao vivo e em cores, a decantada polarização do país, mas até aí, tudo rimava com o clima de quermesse democrática.

O tom dissonante veio quando o ministro Fernando Haddad começou a falar. Pela manhã, o ministro, elogiado duas vezes na fala pública do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos feitos da economia, queixara-se, a portas fechadas, da corda esticada com o Senado para aprovar a MP das subvenções.

À tarde, o ministro engatou a nota sem diapasão. Depois de agradecer a colaboração dos presentes para a reforma, o ministro encarrilhou um apelo público ao Supremo Tribunal Federal tendo ao seu lado o ministro Luis Roberto Barroso.

Resumiu, à luz do dia, as fricções do arranjo institucional vigente: “A partir deste momento, esta emenda tem um guardião que é o STF. Contamos com o ministro Barroso para que esta emenda seja recebida com a generosidade que merece para que possamos consolidar esta reforma ao longo dos anos. Para que a litigiosidade dê espaço ao entendimento e à concórdia, à transparência e à justiça tributária. E que os empresários possam concorrer entre si em igualdade de condições (...) sem jabutis, sem pautas bomba”.

Em cinco minutos, Haddad escancarou as razões pelas quais Lula cultiva proximidade com o STF e cobrou continuidade para que a reforma não se esvazie na regulamentação. O plenário, até então reativo, silenciou ante a exortação da Corte com a qual passou o ano às turras. Barroso manteve o cenho inalterado.

Horas antes, Barroso tinha soltado nota em que informava manter “relação amigável” com Lula, “embora atue com independência em relação ao governo”. Na noite anterior, Barroso havia recebido Lula e a primeira-dama, Janja da Silva, para jantar na companhia dos ministros e respectivas cônjuges.

Não é segredo que o Executivo, a despeito dos 11 partidos da Esplanada, depende do STF para governar. Incomum é a admissão pública da equação. Até porque não é uma aliança livre de fricções. Durante a reunião com os ministros, Lula queixou-se da peleja que é para retirar gastos sociais dos limites estabelecidos pelo arcabouço fiscal ante a facilidade com que o STF acatou o pagamento de precatórios extrapolando estas mesmas regras. “Muitos advogados vão ter um feliz Natal”, ironizou.

Foi durante esta reunião, porém, que aconteceu a nota mais dissonante do dia de celebrações. Ao deixarem a reunião, os ministros se depararam com duas decisões do ministro Dias Toffoli. A primeira perdoa uma multa de R$ 10 bilhões aplicadas pelo acordo de leniência do Ministério Público Federal com o grupo J&F. A segunda derruba um acórdão do TCU que pôs fim ao quinquênio da magistratura, com um efeito cascata ainda não dimensionado.

O ministro, que peleja para quebrar o gelo com o presidente - e colecionou mais um insucesso na noite de terça - impôs um ônus fiscal ao Executivo, mas escancarou outro problema que ainda desnorteia o governo.

O poder sobre o qual está ancorado o Executivo, como explicitou Haddad, é capaz de tomar decisões de costas para a República, no que não se distingue dos parlamentares que cantaram o hino de costas para a mesa diretora do Congresso.

Em que outra posição se pode colocar aquele julgamento que, em agosto deste ano derrubou a regra do Código de Processo Civil sobre o impedimento de juízes? Foi graças a esta decisão que Toffoli pôde julgar o caso da J&F, que tem, entre seus advogados, a esposa do ministro, Roberta Rangel, também comensal do jantar com Lula.

Seis ministros acompanharam o voto do ministro Gilmar Mendes, escancarando a porteira do STF para a parentela de advogados: Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin. Ficaram vencidos Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Barroso.

A decisão baseia-se nos erros da Lava-jato quando a operação em questão (“Spoofing”) partiu de procuradores do Distrito Federal e foi autorizada por Vallisney Oliveira, juiz de reputação intocada e sem relação com os aloprados de Curitiba.

A decisão ainda joga no colo da Controladoria-Geral da União a decisão de rever a leniência. E enrosca ainda mais o governo com um grupo que parece disposto a atuar como braço da diplomacia presidencial na Venezuela - desde o contrato com a hidrelétrica de Guri, cuja economicidade ainda está por ser provada, até os negócios perscrutados naquele país, do petróleo ao minério de ferro.

Durante a semana, circulou vídeo em que o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) discutia com um deputado bolsonarista-raiz que havia veiculado escracho de sua atuação na sabatina de Flávio Dino.

Nesta arguição, Mourão perguntou a opinião do ministro sobre o código de ética da Suprema Corte dos EUA. A pergunta, feita com urbanidade, foi respondida no mesmo tom. Este código, assim como a regra do CPC derrubada, impedem conflitos de interesse como o de Toffoli. Há brechas na oposição a serem exploradas que são menos comprometedoras do que a aliança incondicional com o STF.

 

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