O Globo
Na hora de encarar o dinheiro, não há
diferença entre Gleisi Hoffmann e Arthur Lira
Na hora de encarar o dinheiro, não há
diferença entre Gleisi
Hoffmann e Arthur Lira.
Até o momento, nem o combativo PT, tampouco
os notáveis do Centrão, todos com serviços prestados a seus próprios interesses
corporativos, impuseram qualquer objeção a engordar o fundo eleitoral.
Projeta-se um aumento do atual R$ 1 bilhão para insondáveis R$ 5 bilhões.
Melhor colocar noutra moeda. Estamos falando em US$ 1 bilhão.
Seria uma distorção da democracia? Diante de
um salário mínimo de R$ 1.320 brutos ou de R$ 300 mensais retirarem da linha de
pobreza milhares de brasileiros, que dizer?
Desde a ditadura militar, o Brasil carrega uma democracia assemelhada a um pensamento mágico, distante, porém, de uma representatividade real. Para inglês ver. Nem a Constituinte de 1988 enfrentou o problema, além de transformar territórios — como Roraima e Amapá — em estados, portanto com direito a três senadores e a uma bancada de deputados federais. Mesmo que a população roraimense (atualmente 636 mil almas) fosse à época menor que a de Del Castilho.
Por causa dos espertos de sempre, permanece a
distorção no número de representantes vis-à-vis habitantes. O último Censo —
mais uma vez — mostrou o desequilíbrio entre o bruto populacional e a
quantidade de deputados federais. A Constituição estipula entre oito e 70
deputados por estado — e o último ajuste ocorreu em 1993, quando o Brasil tinha
158 milhões de habitantes. Hoje somos perto de 203 milhões. O recenseamento do
ano passado registrou no Amapá, dos senadores Davi Alcolumbre e Randolfe
Rodrigues, cerca de 733 mil moradores — pouco acima da Zona Sul carioca (639
mil). Apenas a Região Metropolitana de São Paulo conta com mais de 22 milhões.
A despeito dos números, vale lembrar que os dois políticos amapaenses defendem
a exploração de petróleo na Margem Equatorial, ao lado da foz do Amazonas.
De acordo com o último levantamento, Alagoas,
estado do deputado Arthur Lira, conta com cerca de 3 milhões de pessoas. Pelas
regras constitucionais, a bancada alagoana deveria diminuir de nove para oito
deputados. A Bahia,
do ministro Rui Costa,
perderia dois assentos. O Piauí, do senador Ciro Nogueira,
também ficaria com menos dois representantes. O Paraná, da deputada Gleisi
Hoffmann, manteria suas 30 cadeiras.
Quanto à ameaça de aumentar o fundo eleitoral
para R$ 5 bilhões, façamos um paralelo simples. Neste ano, a dotação prevista
para o Sistema Único de Segurança Pública também é de R$ 5 bilhões. O Susp não
chega a ser uma realidade, assim como as emendas parlamentares (temos de pensar
sempre nas ações administrativas de Arthur Lira e Juscelino Filho). Fosse mais
bem dotado, o Susp ajudaria no combate à robustez das empresas multinacionais
como PCC e Comando Vermelho e de outras regionais, mas promissoras, como
Família do Norte. Permitiria o enfrentamento ao tráfico de armas e até a
migração de criminosos entre os entes da Federação.
No Brasil, a democracia aparentemente
representativa custa caro. Também não oferece meios de cobrar os serviços
prestados pelos eleitos. Não há, e nem haverá, voto distrital — Deus não é
brasileiro, está provado. Raros eleitores conhecem pessoalmente seus
representantes. Um deputado ganha votos em Campo Grande, em Búzios e na Barra,
mas mora em Ipanema. Não é de ninguém. Caso se candidatasse apenas por seu
distrito, e lá colhesse seus votos, se eleito, quando tomasse um café na
padaria, seria interpelado em sua base sobre sua posição contra ou a favor de
determinado tema. A pulverização de votos ainda distorce os quadros de opinião
da sociedade, em geral minoritários, sem oferecer um retrato real da população.
Um distrito majoritariamente estudantil ou de eleitores mais jovens acaba
diluído por grupos maiores de religiosos conservadores ou ruralistas. Em tese,
todos são filhos de Deus.
Assim montada, a democracia tupiniquim
perpetua, e não renova, portanto, o elenco de políticos (pense no atual
Congresso Nacional) eleitos com o dinheiro de seu imposto. Depois não se
pergunte por que existem dinastias políticas. Não houvesse tal fundo — R$ 5
bilhões, Gleisi? —, os candidatos a cargos eletivos ou usariam seus próprios
recursos ou teriam de receber doações de pessoas físicas. Para isso, teriam de
encontrar eleitores que se identificassem com suas ideias a ponto de lhes dar
apoio financeiro. Seria o momento adequado para dar o troco.
Ok
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