O Globo
Ex-presidente do BC considera que país falha
em não focar nos temas que realmente geram crescimento, como a educação
O Brasil está quase lá, tem enormes chances
no mundo do combate às mudanças climáticas, mas não faz sentido ter um mercado
de carbono sem o agronegócio. O país tem espaço para melhorar em diversas
áreas, mas está faltando uma estratégia, que foque nos temas que realmente
geram crescimento, como a educação. São as ideias do economista Armínio Fraga,
ex-presidente do Banco Central. Quando analisa o país, ele fica entre os
elogios e as aflições pelo que não está sendo feito e que poderia ser feito
nesse momento em que o Brasil mudou de direção.
— O Brasil está dando uma guinada na direção certa na área ambiental, reduziu o desmatamento e está restaurando floresta, mas eu acho que para além da proteção da biodiversidade e do combate à mudança climática, esse assunto tem a ver também com qualidade de vida, de autoestima. O Brasil tinha que se atirar nessa oportunidade que a natureza nos deu. É preciso incorporar outros elementos e combater a poluição do ar e das águas. Estou falando de um pacote completo ligado à natureza — diz.
Ele acha que o país tem que enfrentar esse
momento de combate à mudança climática com a consciência do seu potencial, mas
olhando tudo de forma “holística”. Ele dá um exemplo. Combater a criminalidade
na Amazônia seria
fundamental para garantir um turismo ambiental que fosse seguro, além de
sustentável. Investir em saneamento é parte do projeto de combate à poluição,
além de melhorar a vida das pessoas.
— Saneamento pode ser feito na maioria dos
casos com capital privado, sob regulação e supervisão públicas. Saneamento é o
mais fácil. Por que? Porque se pede de uma empresa que ela entregue água limpa,
recolha o esgoto e trate o esgoto. Tudo isso é fácil de monitorar. Quando eu vi
no Congresso uma tentativa de andar para trás nessa área, eu falei: Meu Deus,
isso é ridículo.
A entrevista com Armínio Fraga, que fiz ontem
na GloboNews, ficou sempre entre a dimensão das possibilidades, e os riscos
desnecessários que corremos. Ele elogia, por exemplo, o SUS, no qual o Brasil
investe uma fração do que a Inglaterra investe.
—Eu tenho estudado muito o SUS. O SUS mostrou
durante a pandemia — com um presidente que era contra a vacinação, e o povo se
vacinou— que tinha uma cultura construída, que sobreviveu a esse assalto das
ideias. O SUS gasta menos que 4% do PIB, para oferecer o que a Constituição
manda, que é saúde universal e gratuita. Na Inglaterra, que foi o modelo
original, eles gastam 8% do PIB, só que o PIB deles é três vezes o nosso, pela
paridade do poder de compra. Isso quer dizer que eles gastam seis vezes mais do
que a gente gasta e estão em crise.
Ele acha que, por isso, é tão necessário
fazer uma reforma do estado, que elimine desperdícios e aumente a eficiência,
para que se possa estabelecer as prioridades. Há exemplos no mundo inteiro de
gestão do estado, que possa fazer o que ele define como uma “modernização
geral”.
Para Armínio, o Brasil está correndo riscos
demais na área fiscal porque o tema “corte de gastos” está embargado. Ele
avalia que isso é grave porque parte do ajuste fiscal ser feito pela despesa “é
inevitável e desejável”.
Ao falar do mercado de carbono, outra enorme
oportunidade, ele fez questão de esclarecer que é sócio e conselheiro de uma
empresa de restauração ambiental, mas que não atua no mercado de carbono, nem
tem subsídio.
— Tem lobby querendo segurar o preço da
tonelada de carbono aqui para que os poluidores continuem poluindo e comprando
o carbono baratinho. Isso não é justo. Fiquei surpreso também que o setor do
agronegócio ficou de fora do mercado. O agronegócio moderno não é um problema,
a cultura mudou. Se existe a possibilidade de o agronegócio moderno estar
misturado com a bandidagem tinha que ser resolvido. Mas esse setor não pode
ficar de fora, não dá para entender.
No mercado regulado europeu o preço da
tonelada de carbono está em US$ 100. No Brasil, no mercado informal está entre
US$ 20, 25 por tonelada. Um valor maior incentivaria mais atividades de
restauração e preservação. Esse é o ponto que torna estranho tirar o
agronegócio que tem um impacto tão grande no meio ambiente.
— Aumentar esse preço é bom para o Brasil,
que é um exportador natural e tudo está apontando numa direção boa.
Lembrou durante toda a entrevista que falta
uma estratégia para aproveitar as chances que se abrem para nós neste momento.
Pois é.
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