quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Malu Gaspar - Uma mina de irresponsabilidade

O Globo

A ameaça de colapso da mina 18 da Braskem em Maceió, que colocou o Brasil em alerta, é apenas a face mais visível do desastre provocado pela exploração irresponsável e predadora de sal-gema na capital alagoana.

A possibilidade de o desmoronamento abrir uma cratera de enormes proporções no fundo de uma lagoa e contaminar com resíduos e minério o ecossistema local é assustadora, mas o enredo não é novo.

Maceió convive com a tragédia desde 2018, quando começaram a surgir crateras nas ruas e rachaduras nas paredes das casas. Um tremor de 2,5 graus na escala Richter aterrorizou os moradores daquela parte da cidade.

Mais de 60 mil tiveram de abandonar suas casas. Hospitais, escolas, igrejas, comércios ficaram inutilizados, e houve uma onda de depressão e transtornos mentais na população. O que sobrou no entorno da área que pode acabar engolida pela terra é um cenário de guerra, uma cidade fantasma.

Com o pânico instalado, as autoridades locais se lançaram numa insólita disputa para saber quem foi mais leniente com a Braskem. O grupo do governador Paulo Dantas (MDB), aliado de Renan Calheiros (MDB), acusa o prefeito João Henrique Caldas (PL), aliado de Arthur Lira (PP), de ter feito um acordo de reparação muito vantajoso à companhia, enquanto aliados do prefeito dizem que a turma de Renan é que sempre esteve no bolso da petroquímica.

É uma pendenga em que não há vencedor possível. Desde que a primeira das 35 minas foi implantada, nos anos 1970, todos os governantes de uma forma ou de outra pegaram leve com a empresa.

Na esfera nacional, a situação não é diferente. O inquérito aberto em 2019 pela Polícia Federal para apurar os responsáveis ainda não acabou. Embora tenha exigido um plano de fechamento das minas desestabilizadas que, de acordo com reportagem do GLOBO, sofreu diversos atrasos, a Agência Nacional de Mineração (ANM), a quem cabe fiscalizá-la, nunca multou a Braskem.

A CPI criada no Senado há mais de um mês para apurar o caso ainda não começou a funcionar, porque nem os partidos do governo nem os da oposição indicaram seus integrantes. A Petrobras, que detém 36,1% das ações da Braskem —controlada pela Odebrecht, com 38,3% —, só se manifestou ontem, uma semana depois do alerta de colapso da mina 18, mesmo assim de forma tímida, dizendo apenas que “monitora o tema” e “se solidariza com as famílias”.

Enquanto a maior tragédia ambiental urbana do planeta se agravava no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva circulava pela conferência do clima, em Dubai, cobrando responsabilidade dos países desenvolvidos. Sobre o que se passava em Maceió, Lula não disse uma palavra.

A esta altura, não há mais dúvidas de que a causa do abalo foi a atividade mineradora da Braskem. A companhia afirma ter “compromisso com a segurança das pessoas” e informa ter desembolsado mais de R$ 9 bilhões com indenizações à Prefeitura e aos moradores. Mas, em seus comunicados públicos, só se refere à tragédia de Maceió como “evento geológico”.

Desde 2019, quando o Serviço Geológico do Brasil-CPRM constatou que as minas foram construídas muito próximas umas das outras sobre uma falha geológica e sem condições básicas de segurança, a companhia fechou as minas, mas já contestou esse diagnóstico diversas vezes, até na Justiça. (Não deixa de ser irônico que uma empresa controlada pela Odebrecht, que sempre se assumiu corrupta, mas sempre fez questão de propagandear a excelência de suas obras, esteja no olho do furacão justamente em razão de obras malfeitas).

Em 2021, os representantes da Braskem ainda diziam que não havia sinal de risco de colapso das minas, apesar dos alertas em contrário. Até hoje a empresa não assumiu formalmente a responsabilidade pela destruição — e nunca, nem indiretamente, pediu desculpas à população de Maceió.

Parece que não se aprendeu nada com as últimas duas catástrofes provocadas pela mineração irresponsável — a de Mariana, que arrastou 350 casas e deixou 19 mortos em 2015, e a de Brumadinho, que matou 272 pessoas.

Vale, que esteve no epicentro das duas, cometeu uma série de desmandos no processo, mas desembolsou R$ 70 bilhões em indenizações. E pediu desculpas. Nada disso torna a empresa melhor ou menos culpada, tampouco apaga a destruição ou traz os mortos de volta. Mas demonstra um mínimo de empatia com quem perdeu tudo o que tinha.

 

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