O Globo
A ministra lamenta ser a única mulher no STF, admite saudade de Rosa Weber, e reflete sobre as decisões dos poderes
A ministra Cármen Lúcia afirmou que a censura
é vedada pela Constituição e esclarece que o caso em que o Supremo considerou o
veículo de imprensa responsável por crimes de calúnia cometido pelo
entrevistado não é o que está sendo interpretado. Ela me disse que o órgão “não
é responsável pelo que o entrevistado afirma”. A ministra teme que já esteja
havendo autocensura dos jornais e informa que o assunto “será objeto de
esclarecimento para se impedir essa interpretação”. Em entrevista que me
concedeu, Cármen Lúcia lamenta ser a única mulher no Supremo, admite saudade
pessoal de Rosa Weber, afirma que os eventos de 8 de janeiro foram
premeditados. Fala de marco temporal e da limitação das decisões monocráticas.
—O “cala a boca já morreu” não morreu. Não
morre enquanto não morrer a democracia — disse ela sobre a responsabilidade do
órgão de imprensa.
Segundo a ministra, no caso, a acusação feita à vítima era amplamente desmentida e já tinha sido objeto de decisão judicial. O que houve foi um “descompromisso total à honra e à imagem de uma pessoa”.
— Mas se você me entrevista e eu digo algo,
não há qualquer responsabilidade do veículo. Você não sabe e nem é responsável
pelo que o entrevistado afirma. A não ser que veiculasse algo sabidamente
desmentido sem sequer uma nota explicativa. Nem cogitamos o caso de entrevistas
ao vivo. É vedada a censura e nós somos a guarda da Constituição. A censura é
impossível. Ouvi que os veículos podem estar fazendo autocensura. Não é isso
que se quer. Isso vai ser objeto de pormenorização ou de esclarecimento para
impedir esse tipo de interpretação. Vou repetir: se alguém cala o próprio eu do
outro, não haverá mais comunicação na sociedade. Por isso é que a liberdade de
expressão é tão séria e a da imprensa mais ainda. O “cala a boca já morreu”
persiste porque persiste a democracia — disse a ministra referindo-se a um
famoso voto dela pela liberdade de expressão.
A entrevista foi ao ar ontem na GloboNews,
está disponível no Globoplay, e tocou em outros temas relevantes. Ela disse
sobre a votação dos senadores limitando o voto monocrático que “o Senado tem
todo o direito de votar” e é “amplamente favorável a que o Congresso cumpra o
seu papel”, e “pode questionar todos os poderes constituídos”. Lembrou,
contudo, que a ministra Rosa Weber já tinha feito alterações com o apoio
unânime dos ministros. O caso “vai ser submetido a controle de
constitucionalidade. Se for constitucional, se mantém. Se não for, não
persiste”.
O mesmo caso para o marco temporal. Perguntei
se por projeto de lei é possível mudar a Constituição e o entendimento de
ministros do STF sobre a não existência de um marco temporal para a homologação
de terras indígenas.
—O Congresso não muda a interpretação do
Supremo. Sobrevindo nova legislação, imagino que vá de novo ser submetido ao
STF e aí o Supremo verifica. Mas o entendimento firmado há pouquíssimo tempo é
o que prevalece para nós: que não haveria razões para desconhecer a realidade
indígena de 500 anos que antecederam a definição constitucional. O que foi
adotado que é o indigenismo como marca ou critério para que a gente pudesse
saber o que era a Terra Indígena protegida constitucionalmente.
A ministra Cármen, única ministra do STF,
elogiou as escolhas do presidente Lula, mas vê a falta de representatividade da
mulher como uma falha da democracia.
— A democracia se constrói com todos,
mulheres e homens. Nenhuma dúvida de que neste momento histórico ter dez homens
e uma mulher no STF causa estranhamento. Para mim, o sentimento primeiro é o da
amizade com a ministra Rosa Weber, de quem sinto enorme falta do contato
direto. Todos os dias praticamente nos falávamos — diz ela, acentuando que
faltam mulheres em todos os espaços de poder.
Para Cármen, há evidências de que o 8 de
janeiro foi premeditado. Em todos os três poderes, foram destruídas as fotos
dos ex-presidentes. No STF jogaram não água, mas substâncias que corroeram os
equipamentos de imagem e parte dos arquivos. Queriam destruir a simbologia do
poder. Perguntei se o risco à democracia foi superado.
— Acho que foi, mas aprendi em 2023 que a democracia é planta frágil. Precisa ser cuidada permanentemente. O Brasil para mim, hoje já mais velha, não é uma pátria mãe gentil, é quase uma filha com a qual quero ser gentil.
Muito bom o artigo.
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