Folha de S. Paulo
Os Três Mosqueteiros da bossa nova eram
quatro, com Carlinhos Lyra como D'Artagnan
Carlos Lyra, que morreu no sábado último (16), não gostava de ser visto como o quarto maior nome da bossa nova. Nenhum desdouro nisso, sendo os três primeiros, em qualquer ordem, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e João Gilberto. Mas, para ele, não era bem assim —os Três Mosqueteiros eram quatro. E, com seu cartel de canções produzidas entre 1956 e 1965, o D’Artagnan era ele. Afinal, quem poderia superar "Primavera", "Minha Namorada", "Você e Eu", "Influência do Jazz", "Coisa Mais Linda", "Lobo Bobo", "Sabe Você" e tantas mais?
E Carlinhos não se contentava com sua obra
excepcional. Reivindicava também o pioneirismo. Em conversas, dizia casualmente
que chegara à bossa nova antes de João Gilberto e, no máximo, junto com Tom. E
tinha um bom argumento: o 78 rpm de Sylvia Telles com, de um lado, "Foi a
Noite", de Tom e Newton Mendonça, e, do outro, "Menino", dele,
Carlinhos. Quando esse disco foi gravado, em agosto de 1956, João Gilberto
estava perdido em alguma nebulosa no espaço e a parceria de Tom e Vinicius
ainda não era pública —o musical que a deslancharia, "Orfeu da
Conceição", só estrearia no Municipal no dia 25 de setembro. Para todos os
efeitos, Carlinhos, aos 23 anos, chegara mesmo no primeiro pelotão.
Exceto por um senão: "Foi a Noite"
e "Menino" não eram ritmicamente bossa nova, mas belos sambas-canção.
Tom e Carlinhos só descobriram a bossa nova quando João Gilberto a inventou, em
1957.
Durante os primeiros anos, Carlinhos e Tom
seguiram fulgurantes carreiras paralelas. Mas, a partir de 1964, algo mudou.
Tom disparou e ficou inalcançável: gravou com Frank Sinatra, compôs
"Wave" e "Águas de Março", submeteu-se à ponte aérea
Rio-Nova York e lutou por cada semifusa. Carlinhos, por temperamento,
eclipsou-se. Seu patrimônio tornou-se o passado.
O talento não o abandonou, mas o mercado sim.
Ali ele precisava ter sido D’Artagnan.
Muito bom o artigo.
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