O Globo
Em conversas com Maduro, o Brasil deixou
claro o desconforto em relação aos desdobramentos da questão de Essequibo
O Brasil deixou claro ao presidente da Venezuela, Nicolás
Maduro, que não pode haver qualquer tropa estrangeira na região, e
mostrou seu desconforto em relação aos desdobramentos da questão de Essequibo,
território da Guiana que
o país está reivindicando. Maduro, segundo fontes diplomáticas, negou que vá
haver conflito, mas o temor brasileiro vem do fato de que o governo venezuelano
está produzindo uma mobilização popular.
—As guerras que ocorreram na América do Sul
mais recentemente foram de elite, como a do Equador e do Peru, em que não houve
mobilização popular. Quando há esse envolvimento da população tudo fica mais
perigoso.
Nos sinais que enviou a Caracas, o Brasil deixou claro que há um enorme desconforto com a perspectiva de um conflito na América do Sul.
—Nós não estamos entrando no mérito da
disputa, mas não estamos passando pano. É verdade que é uma reivindicação
antiga que eles nunca abandonaram, só que nunca fizeram esse esforço de
mobilização da população como estão fazendo agora — me disse uma fonte do
governo.
O governo não fez uma condenação mais dura
porque quer preservar o canal de diálogo. O presidente Lula é uma das poucas
pessoas que Maduro ouve. Ainda que parcialmente. Por isso, nada mais forte foi
dito publicamente. Contudo, a vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez,
chegou a dizer que uma vitória no referendo daria um mandato às forças armadas
venezuelanas. E isso foi considerado “inaceitável” por diplomatas brasileiros.
O referendo deste fim de semana deu um
resultado previsível. Depois de uma campanha popular nacionalista, o governo de
Maduro conseguiu, segundo as autoridades locais, 95% de apoio à ideia de
criação de um novo estado “venezuelano" na região de Essequibo, que
pertence à Guiana. O território vem sendo reivindicado pelo país desde o século
19 e já passou por arbitragens internacionais. Até recentemente era apenas uma
velha pretensão, mas recentemente Nicolás Maduro passou a agitar essa bandeira
nacionalista que teve apoio até de partidos de oposição. Fez isso num movimento
conhecido, de criar um inimigo externo, para unir o país e se fortalecer diante
da opinião pública. Dos 20 milhões de venezuelanos aptos a votar, compareceram
10 milhões, o que é muita gente, mas ao mesmo tempo um baixo comparecimento.
Mas Maduro já está contabilizando os ganhos.
—O fato é que a agenda mudou no país. Eram as
primárias, e o processo eleitoral. E agora Maduro está surfando nessa mudança
de foco — me disse uma fonte do governo.
O regime chavista sempre usou as eleições de
forma a se fortalecer, desde a época do coronel Hugo Chávez. Eleições são
marcadas para períodos em que o regime está forte. Referendos que ele perde não
são cumpridos, os que ele vence são seguidos como prova de que há respaldo
popular para os projetos do governo. Candidaturas de adversários que ameaçam
são cassadas.
Isso acaba de acontecer de novo. A
pré-candidata oposicionista favorita às eleições presidenciais de 2024 foi
declarada inelegível por 15 anos por alegados problemas administrativos. O país
já vinha sendo pressionado por governos democráticos da região a cumprir os
trâmites de uma eleição normal. O governo de Caracas se comprometeu com
eleições presidenciais livres e competitivas e uma semana depois passou a
contestar as eleições primárias da oposição que deu vitória à Maria Corina
Machado. Segundo o governo houve fraude.
O Brasil está nesse momento sem embaixador
lá, mas a embaixadora escolhida, Glivânia Maria de Oliveira, é bem avaliada e
considerada competente. Hoje ocupa o cargo de diretora-geral do Instituto Rio
Branco. Já começará no meio de um período de muita tensão.
O risco de um conflito armado é grande, mesmo
que o aparente objetivo inicial do governo seja mudar a agenda do país, na qual
ele estava na defensiva. Mas o fato é que a Venezuela tem o maior e mais bem
equipado exército da América do Sul. O risco maior é uma ação militar da
Venezuela desencadear uma onda de hostilidade que acabe levando ao envolvimento
de forças militares estrangeiras na região que faz fronteira com o Brasil.
As palavras de tranquilidade que Maduro
enviou para o Brasil não tranquilizaram o governo, nem os militares. Por outro
lado, a Venezuela estava começando a se beneficiar do levantamento de sanções
americanas. Esse movimento será suspenso, em caso de qualquer ato de
hostilidade venezuelana contra a Guiana.
Pois é.
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