segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Orçamento vai a plenário repleto de distorções

O Globo

Comissão mista inflou fundo eleitoral e emendas parlamentares, tirando autonomia do Executivo

O relatório final da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovado na semana passada na Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, confirmou as piores expectativas: deputados e senadores tentam aumentar o dinheiro das emendas parlamentares e controlar seus prazos de execução, em detrimento do planejamento do Executivo. Se nesta semana for aprovado como está, representará um retrocesso.

Com o fim das emendas do relator, os parlamentares têm agora à disposição três tipos de emenda: individual (proposta por senadores ou deputados), de bancadas estaduais e de comissão (apresentada pelas comissões técnicas e mesas diretoras da Câmara e do Senado). As duas primeiras são impositivas — de pagamento obrigatório. Havia o temor de que o texto da LDO, sob relatoria do deputado Danilo Forte (União-CE), também tornasse impositivas as emendas de comissão. Felizmente, isso não aconteceu.

Em contrapartida, o texto aumentou em 61% o total das emendas de comissão (para R$ 11 bilhões) e em 23% as individuais e de bancada (para mais de R$ 37 bilhões). Com isso, cada deputado terá direito a alocar R$ 37,8 milhões e cada senador R$ 69,6 milhões ao longo do ano. Não satisfeitos com o valor, os parlamentares da CMO estabeleceram prazos para o governo analisar as emendas individuais e de bancada e empenhar os recursos: 105 dias para as emendas individuais e 90 dias para as de bancada. Na ausência de problema técnico, o dinheiro deverá ser liberado em 30 dias. Em ano eleitoral, o Parlamento tenta garantir o dinheiro logo no primeiro semestre.

Nas democracias, é comum congressistas influírem na alocação de recursos com emendas que beneficiam seus redutos. No Brasil, porém, elas perderam a proporção: o total foi multiplicado por nove desde 2015. E o Parlamento tem feito o possível para tornar o pagamento obrigatório, reduzindo a autonomia do Executivo para cumprir a missão constitucional de executar o Orçamento. Num momento em que o próprio Congresso clama por harmonia entre os Poderes, deveria saber se conter, preservando a função precípua de votar o Orçamento, mas evitando hipertrofia nos próprios recursos.

O dinheiro das emendas é canalizado levando em conta interesses políticos, não necessidades urgentes ou critérios técnicos. Todos os municípios brasileiros demandam investimentos. Mas, ao tirar do governo a capacidade de priorizar as prefeituras com carências prementes, as emendas tornam a ação do Estado mais injusta e mais cara. Um município ganha um posto de saúde, enquanto outro ao lado fica sem nenhum. Ainda que os parlamentares conheçam suas bases eleitorais, elas seriam mais beneficiadas por meio de políticas públicas elaboradas pelas equipes técnicas dos ministérios. Sair distribuindo dinheiro a esmo só contribui para deteriorar as contas públicas.

Não é apenas nas emendas que o relatório final da LDO decepciona. O texto ainda manteve um fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões para financiar as eleições municipais — quase o dobro do gasto no pleito de 2020 (R$ 2,5 bilhões, em valores corrigidos). Tal valor fará do Brasil o país com maior gasto per capita entre aqueles com financiamento público de campanha. O plenário do Congresso ainda pode corrigir os erros, mas para isso os parlamentares teriam de demonstrar um desprendimento que até agora tem sido escasso.

Anatel acertou ao tentar coibir os golpes financeiros com centrais 0800

O Globo

Medidas adotadas são essenciais, mas não é de hoje que as fraudes se sofisticaram e saíram do controle

No final de novembro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) baixou um conjunto de medidas para evitar fraudes com o 0800, que designa as ligações sem custo para o cliente. Uma delas é a suspensão temporária de novos números com esse prefixo e o bloqueio imediato da linha caso sejam constatados indícios de irregularidades. Já não era sem tempo. É preciso conter a enxurrada de golpes que atormentam a vida dos cidadãos por todo o país.

Para fechar o cerco aos golpistas, a Anatel também proibiu que operadoras revendam números, especialmente a empresas que não prestam serviço de telecomunicações. Um usuário registrado na agência não poderá ter mais de uma linha 0800, a não ser em casos especiais. O descumprimento das novas normas poderá gerar multas de até R$ 50 milhões às operadoras.

O 0800 — prefixo tão popular que virou sinônimo de serviço gratuito — entrou na mira das autoridades depois de ser apropriado criminosamente por quadrilhas de estelionatários. Diariamente, são milhares de ligações falsas a telefones fixos e celulares ou mensagens informando que o usuário foi vítima de uma compra indevida em seu cartão ou de um Pix não autorizado. Para “solucionar o problema”, os golpistas pedem que o cliente ligue para um 0800, senha para a ruína financeira.

O estelionato em suas diversas formas se tornou o “crime da moda” depois da pandemia. Segundo o anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no ano passado registraram-se 1.819.409 ocorrências, ou 208 golpes por hora, aumento de 38% em relação a 2021. Sem contar as não registradas. Apenas as fraudes eletrônicas passaram de 200 mil. Para praticar as fraudes, bandidos se aproveitam de um sistema vulnerável. Impressiona a facilidade com que tudo é feito. A responsabilidade para evitar o golpe acaba recaindo sobre o cidadão. É ele quem deve desconfiar, evitando atender ligações de números desconhecidos.

Ainda que possa ter demorado, as autoridades fizeram bem em agir. Não é de hoje que as fraudes se multiplicam usando a estrutura de telecomunicações. Golpistas manipulam psicologicamente os usuários para roubar-lhes economias obtidas durante anos. Consumado o crime, resta às vítimas fazer o périplo burocrático para provar que sofreram um golpe, tarefa complexa e muitas vezes infrutífera, pois o próprio cliente fornece os dados aos bandidos.

Foi-se o tempo dos golpes grosseiros, facilmente detectáveis pelo cidadão comum. As quadrilhas se sofisticaram. Seus integrantes se passam por funcionários de grandes bancos, falam educadamente e usam tecnologias parecidas com as adotadas pelas instituições financeiras para solicitar dados pessoais. A diferença está em detalhes. As fraudes são tão rebuscadas que chegam a simular o número de centrais telefônicas verdadeiras. O cliente pensa estar falando com seu banco quando, na realidade, lida com estelionatários. É verdade que há campanhas maciças de grandes bancos alertando sobre as fraudes, mas custou até eles reagirem. Sinal de que a situação saiu de controle.

Mudança é histórica e foco agora é a regulamentação

Valor Econômico

Mudanças podem sofrer graves desfigurações nas peças legais, que precisam ser evitadas

O Brasil finalmente terá um sistema tributário mais moderno, simples e justo. Em sessão histórica, a Câmara dos Deputados finalizou a votação da reforma tributária, a Emenda Constitucional 132, que será promulgada e retirará o país da lista dos que tinham as piores organizações de tributos do mundo. Foi a maior mudança feita em períodos democráticos desde a Constituinte de 1946. A maioria para aprovação foi folgada: 371 votos favoráveis e 121 contrários - destes, a maioria proveniente do PL, de dissidentes do União Brasil e de par de deputados do MDB.

Mesmo com as isenções e regimes específicos acrescentados durante o processo, a reforma dá um salto gigantesco em relação ao sistema vigente. Ao fundir cinco impostos em dois e estabelecer a não cumulatividade plena, com cobrança no destino, ela extinguirá leis, decretos e portarias produzidas em larga escala por 5.570 municípios e 27 Estados. Embora persistam provisoriamente benefícios regionais e estaduais como exceções - caso das montadoras no Norte, Nordeste e Centro-Oeste e dos benefícios concedidos por Estados convalidados até 2032 - a alocação de recursos de investimentos voltará a ter como norte a lógica econômica e não a preponderância do cálculo das vantagens tributárias. Será posto um fim à guerra fiscal, que reduziu receitas estaduais sem que vantagens inegáveis tenham sido obtidas.

A reforma permitirá um melhor equilíbrio tributário entre os setores econômicos. A indústria, campeã no pagamento de impostos, terá parte de sua carga aliviada, e os serviços pagarão mais. A simplificação do labirinto tributário resultará na diminuição radical do crescente e absurdo número de disputas judiciais, dando previsibilidade ao planejamento das empresas e dos governos. A segurança jurídica aumentará. As empresas, por seu lado, se verão livres de parte de um trabalho insano e custoso dedicado apenas ao cumprimento de regras federais, estaduais e municipais em mutação constante. As despesas diminuirão e a produtividade tenderá a aumentar.

Apesar das diferenças, Executivo e Legislativo atuaram em conjunto para produzir um bom resultado. Houve grande mérito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, incluindo a criação de secretaria extraordinária para a reforma, a cargo de Bernard Appy, um defensor das mudanças no regime de impostos há décadas. A exaustão do sistema tributário contribuiu para que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), se empenhassem para obter um legado de peso para suas gestões à frente das duas Casas. E não se podem esquecer as discussões em governos passados, que contribuíram para que se chegasse a este momento. O Executivo pagou um preço para viabilizar as mudanças. Quatro fundos com finalidades diversas consumirão mais de R$ 500 bilhões até 2043, seja para cobrir incentivos ilegais concedidos pelos Estados ou para incentivar o desenvolvimento regional.

Coube à capacidade de organização e articulação do relator da reforma, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o aprimoramento final de um texto que saiu do Senado com um número de regimes específicos impróprio. Ele suprimiu os das concessões de rodovias, saneamento, transporte aéreo, economia circular e microgeração de energia. Ele soube contornar uma crise que ameaçou jogar a reforma para o ano que vem, criada em torno da Cide para bens que concorriam com os produzidos pela Zona Franca de Manaus. A saída encontrada foi manter o IPI para esses bens e garantir os benefícios da ZFM. Ribeiro eliminou a cesta básica ampliada, com desconto, em prol de uma cesta básica restrita, com cashback para as famílias de baixa renda. Igualmente importante foi a retirada do prêmio a Estados que aumentassem arrecadação no período de 2024-2028, usado como pretexto para a elevação recente do ICMS em 17 Estados.

Alguns interesses de setores sobrepujaram resistências e conseguiram obter vantagens que custarão mais impostos para todos. É o caso da alíquota reduzida em 30% para profissionais liberais ou a criação de regimes específicos para hotelaria, parques de diversões, agências de viagens, bares e restaurantes. Com poucas exceções, o governo calculou que a alíquota total incidente sobre o consumo seria de 22%. As exceções votadas pelo Senado as elevaram para 27,5%. Os cortes na Câmara podem tê-la reduzido a 27% ou um pouco menos, entre as mais altas do mundo. No entanto, é o que o consumidor já paga com o sistema vigente, e há o saldo positivo da simplificação tributária. Cálculos do Ipea (Sergio Gobetti) indicam que nenhum Estado e só 32 municípios terão perda de arrecadação após os 50 anos de transição para a cobrança no destino.

A reforma tributária deu seu primeiro passo. O próximo desafio é sua regulamentação, no prazo de 180 dias dado ao Executivo. Há 18 pontos das mudanças que terão de ser objeto de leis complementares, ordinárias e resoluções do Senado (Valor Online, ontem). Há o risco de que mais setores, não contemplados com alíquotas reduzidas ou regimes específicos, tentem obter vantagens a partir de brechas abertas por definições genéricas do texto constitucional. É preciso atenção nessa fase de regulamentação, mas já é um momento histórico.

O Natal de Putin

Folha de S. Paulo

Guerra se aproxima do 2º ano no pior momento para Ucrânia desde a invasão russa

Na quinta passada (14), o presidente Vladimir Putin reuniu 600 jornalistas em um centro de convenções ao lado do Kremlin e passou quatro horas respondendo a questões dos presentes e de cidadãos selecionados pelo governo para gravar mensagens de vídeo.

A cena não poderia ser mais contrastante com a ausência do tradicional evento, no ano passado, quando a Rússia fechava a temporada sob o impacto de uma ofensiva contra suas forças invasoras no norte da Ucrânia, país que fracassara em conquistar em fevereiro.

O grande apoio ocidental subsequente a Kiev, com armas, dinheiro e sanções, nunca buscou derrotar a Rússia totalmente. De forma calculada, a ideia era a de desgastar progressivamente Putin, torcendo por uma mudança de regime em Moscou que nunca veio.

Um ano depois, tendo passado até por um grave motim, Putin faz piada de mau gosto sobre a inflação do ovo em seu país e volta às bravatas usuais de que só haverá paz na Ucrânia se Kiev aceitar ser desmilitarizada e renunciar à pretensão de tornar-se um país do clube bélico ocidental, a Otan.

O russo não está perto de ditar termos, mas sua posição é amplamente confortável, ao contrário da do rival, Volodimir Zelenski.

O ucraniano apostou tudo numa contraofensiva bancada por novas armas e treinamento ocidentais, iniciada em junho, e fracassou no intento de cortar a ligação terrestre entre a Rússia e a Crimeia, anexada em 2014, por meio das áreas ocupadas no sul e leste do país.

O jogo de culpas já começou, com desavenças públicas entre Zelenski e seus generais, porém o substrato que importa é o abalo crescente no apoio dado pelo Ocidente.

Um dos motivos é a conta: até outubro, estima-se em R$ 1,2 trilhão, pouco menos que o PIB ucraniano em 2022, a ajuda dada ao país em guerra para se defender e atacar.

Maior apoiador, o americano Joe Biden enfrenta a oposição republicana de olho na Casa Branca, que barrou até aqui um pacote de ajuda que chega a R$ 300 bilhões no próximo ano para Zelenski.

O argumento do veto, de resto político, é a falta de retorno do investimento. O ucraniano foi até Washington implorar por ajuda, sem sucesso até aqui. Biden disse que seguiria apoiando, mas que o dinheiro vai acabar logo.

Some-se a isso o mau humor na Europa, personificado na resistência da Hungria em liberar um pacote de ajuda militar a Kiev no âmbito da União Europeia e na eleição de governos hostis ao apoio militar na Eslováquia e na Holanda.

A guerra completará dois anos em fevereiro, e Biden parece certo ao vaticinar que o veto do Congresso dará a Putin o maior presente de Natal que ele poderia querer.

Homicídios impunes

Folha de S. Paulo

Índice vexatório de elucidação expõe falhas da política de segurança brasileira

Apenas 1 em cada 3 assassinatos cometidos no Brasil entre 2015 e 2021 foi esclarecido. Dos 40.240 homicídios dolosos de 2021, somente 35% deles foram solucionados.

Os números constam do estudo Onde Mora a Impunidade, do Instituto Sou da Paz, que coletou informações estaduais de secretarias de Segurança, Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça.

Os dados confirmam uma deficiência da política de segurança pública no país: o direcionamento prioritário de recursos para o aparato ostensivo, enquanto investigação e inteligência são negligenciados.

No mesmo período de 2015 a 2021, o número de homicídios teve queda de 23%, verificada em todas as regiões, menos no Norte, mas o índice de casos solucionados não mudou em proporção similar.

O país está abaixo da média global de elucidação de homicídios, que é de 63% (43% entre os países das Américas), segundo estudo do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crime (Unodc).

A média brasileira oculta desigualdades regionais profundas. Com 15% e 9%, respectivamente, Bahia e Rio Grande do Norte têm os piores índices de elucidação. Já Minas Gerais e Paraná alcançam 76%.

Tal discrepância evidencia problemas estruturais. Falta articulação entre os governos estaduais e federal para aprimorar as investigações, tanto em estratégias quanto em recursos e informação.

O país carece de padronização de dados sobre o tema no âmbito nacional e nem sequer publica um índice oficial de elucidação de homicídios. Falta ainda integrar os diferentes sistemas de Ministérios Públicos estaduais, Tribunais de Justiça e secretarias de segurança.

O estudo Anuário da Violência, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, expõe outra faceta da opacidade de dados: o país pode ter tido no ano retrasado 5.152 homicídios a mais do que o registrado. Trata-se de uma estimativa com base no número de mortes violentas de causa indefinida.

Ademais, deve-se considerar que o Brasil prende muito e mal. Apesar de ter a terceira maior população carcerária do mundo, apenas 11% dela está presa por homicídio.

Sem melhorar os índices de esclarecimento, o país continuará a falhar em dar uma resposta institucional apropriada para milhares de famílias vítimas da violência letal que esperam por um fim digno, que não seja o silêncio estatal.

Um só povo, por Lula e pelo PT

O Estado de S. Paulo

Petismo quer, com campanha para reconstruir laços, unificar o País em torno de Lula.

A campanha “O Brasil é um só povo”, lançada em rede nacional no dia 10/12, poderia ser um exemplo de que, finalmente, o governo do presidente Lula da Silva compreendeu a natureza das divisões instaladas no País – e suas feridas não cicatrizadas na população. Afinal, a superação desse conflito foi uma das promessas de campanha de Lula, aquele que, uma vez eleito, fez da expressão “união e reconstrução” o slogan de seu governo. Mas seria demais esperar que esse fosse mesmo um compromisso sério de Lula e do PT, que desde sempre estimularam a divisão dos brasileiros, numa odiosa luta de classes. A campanha institucional lançada agora, na verdade, tem objetivos muito específicos, nenhum relacionado à pacificação nacional e todos condizentes com os interesses eleitorais do lulopetismo.

Segundo a Secretaria de Comunicação Social (Secom), o objetivo da campanha é transmitir mensagens “de paz” e “reconstrução de laços”, além de reforçar relações familiares e de amizade. O foco evidente é reduzir os efeitos da polarização e da radicalização que tanto mal causaram ao ambiente democrático brasileiro – uma anomalia que saiu dos debates políticos e partidários para as rodas de conversa, os grupos de WhatsApp e os jantares familiares, influenciando as decisões dos cidadãos em todos os níveis de relacionamento.

As intenções da campanha, portanto, são louváveis. O problema está nos detalhes – que, como se sabe, é onde mora o diabo. O evento que o ministro da Secom, Paulo Pimenta, escolheu para anunciar a campanha foi, pasmem, a Conferência Eleitoral do PT, reunião destinada a discutir a estratégia de comunicação do partido para as eleições no ano que vem. Deduz-se que o ministro Pimenta entende que a campanha oficial do governo se insere na estratégia do partido do presidente Lula, numa deplorável confusão de interesses. Para que não houvesse dúvida, Pimenta declarou, na ocasião, que a tarefa do partido é atrair “quem não votou no Lula” e, para isso, é necessário “diminuir o ambiente de intolerância”. Ou seja, “pacificar” o Brasil deixou de ser um objetivo cívico para se tornar mote eleitoral petista: o País deve se unir, sim, mas em torno de Lula.

Ademais, não parece haver interesse nenhum da nomenklatura petista em arrefecer de fato os ânimos. O próprio Lula da Silva, no já citado evento do partido, deu o tom: “Vai ser outra vez Lula e Bolsonaro disputando as eleições nos municípios. Nós sabemos que (vocês) não podem aceitar provocações, não podem ficar com medo, não podem enfiar o rabo no meio das pernas. Quando um cachorro late para a gente, a gente late também”.

Por fim, mas não menos relevante, a campanha oficial do governo atende a outro interesse crucial do lulopetismo, que é a necessidade de aproximação com os evangélicos, fatia da população que tem se inclinado à direita nos últimos tempos e que, em larga medida, se alinhou ao bolsonarismo, sobretudo quando se trata de temas como aborto, drogas e família. Não à toa, as peças da campanha são embaladas por músicas entoadas por um cantor gospel e por personagens dando “glórias a Deus” por programas sociais do governo federal. Por puro e simples preconceito, talvez por sua origem católica, o PT, a bem da verdade, nunca se interessou pelo diálogo efetivo com o mundo evangélico. Agora, de olho em 2024, inspirado pelo temor da derrota e estimulado pela conveniência, o governo recorre à propaganda para tentar conquistar parte desse eleitorado.

A campanha “O Brasil é um só povo” é, portanto, menos uma carta de intenções em favor da união dos brasileiros, da construção de pontes e da promoção do entendimento, e muito mais um repositório de mensagens a serem usadas com intenções meramente eleitorais. A campanha não pretende explorar a comunicação para melhorar o debate, estimular diálogos e efetivamente pacificar o País. No máximo, quer unificá-lo em favor de Lula e do PT.

Lições de casa para a educação brasileira

O Estado de S. Paulo

O Pisa mostra que o País foi resiliente na pandemia, mas segue atolado na zona de rebaixamento escolar. Para sair, precisa priorizar a educação básica e a qualificação dos professores

A pandemia foi um desastre para a educação no mundo. Para o Brasil também, mas não tão ruim quanto se esperava. A edição de 2022 do Pisa, o exame da OCDE que mede competências de colegiais de 81 países em leitura, matemática e ciências, mostra que, em comparação a seus pares de 20 anos atrás, o desempenho dos alunos dos países ricos já era ligeiramente pior antes da pandemia e piorou com ela. O dos brasileiros era ligeiramente melhor e se manteve estável. O País se mostrou resiliente. Mas é uma resiliência na penúria: o Brasil segue atolado no pelotão dos 25% com pior desempenho, abaixo de muitos países em condições socioeconômicas similares.

Houve avanços desde a redemocratização, notadamente na universalização do ensino, mas também nos sistemas de avaliação, na articulação federativa ou na governança dos recursos públicos. Desde 1988, o financiamento por aluno aumentou cinco vezes, e a taxa de conclusão do primário saltou de 33% para 80%. Mas, qualitativamente, os resultados deixam a desejar. Como resumiu um diagnóstico do Ipea: “O Brasil se empenhou em organizar e fortalecer o ensino público e o resultado foi esse: a criança começa aprendendo em níveis razoáveis e termina o ensino médio com uma inaptidão irrazoável”. A última geração fez muito para democratizar o ensino. A atual tem o desafio de elevá-lo à excelência.

Não há balas de prata, panaceias ou passes de mágica, tampouco enigmas insolúveis. Educação ruim não é destino, e experiências de países há poucas gerações pobres e iletrados, como Coreia do Sul e Cingapura, hoje no topo do ranking, ou, mais recentemente, de países em desenvolvimento, como Peru ou Catar, ou ainda, no plano doméstico, do Ceará, no ensino fundamental, de Pernambuco, no médio, ou de vários Estados com o ensino integral, mostram ser possível avançar muito em pouco tempo, mesmo com recursos limitados.

Do complexo de boas práticas cotejadas pela literatura especializada, dois pilares se destacam: a priorização da educação básica e a qualificação dos professores.

O Estado não gasta pouco, gasta mal. São 5% do PIB. A média da OCDE é de 4,1%. Mas, se os gastos com ensino superior estão na média da OCDE, os com ensino básico são três vezes menores. Nosso sistema é uma máquina de concentração de renda. Uma minoria de ricos estuda em boas universidades públicas e a maioria de pobres, em terríveis escolas públicas. O sistema de cotas tem impacto marginal na distribuição de oportunidades. Ele beneficia contingentes diminutos das escolas públicas. A esmagadora maioria ingressa na vida profissional e civil com péssimas ferramentas. A defasagem do ensino técnico só piora esse quadro.

Universidades podem encontrar outras fontes de receita, como mensalidades e parcerias privadas. As melhores universidades do mundo são particulares. E há um potencial inexplorado da gestão do ensino e de recursos da educação básica pública por entes privados, como se faz no SUS. Na Europa, escolas privadas recebem 50% dos investimentos públicos. O fracasso do ensino básico, diga-se, é um fracasso do ensino público. Alunos brasileiros ricos de escolas particulares têm desempenho similar aos de seus pares no mundo desenvolvido.

A docência no Brasil é desprestigiada. Os professores recebem abaixo de profissionais com seu nível de escolaridade e são recrutados entre alunos com baixo desempenho. Faculdades de pedagogia têm muita teoria, quando não ideologia, e pouca prática. A formação tem sido precarizada pela proliferação indiscriminada de cursos a distância. Um funcionalismo público avesso à progressão de carreira por mérito e metas desincentiva a capacitação continuada de professores e gestores.

O Brasil reconquistou sua democracia por um movimento cívico suprapartidário envolvendo grupos diversos entre as autoridades públicas e lideranças civis. Um dos resultados foi o SUS. Para promover uma revolução na educação, o País precisará de uma mobilização similar à das “Diretas já” e vontade política para conquistar no ensino um avanço civilizatório similar ao que conquistou na saúde.

O imbróglio do cartão de crédito

O Estado de S. Paulo

É urgente arbitrar o impasse sobre os juros e o parcelamento; papel que cabe ao Banco Central

Qualquer transação financeira ou comercial com quitação ao longo do tempo sem incorporar acréscimo monetário é um embuste. Pagamento a prazo sem juros não existe. Dito isso, a discussão em torno de eventuais mudanças no parcelado sem juros no cartão de crédito começa errada pelo enunciado. Cartão de crédito é um meio de pagamento que embute, sim, custos extras para compras a prazo, seja ele curto, médio ou longo. Portanto, apresentar o parcelamento ao consumidor como livre de custos financeiros é um problema que, apesar de grave, vem sendo tolerado ao longo do tempo pela autoridade monetária.

É um transtorno para o consumidor, mas não sua maior ameaça. Nesta posição está o famigerado crédito rotativo que, de acordo com dados do Banco Central (BC), alcançou o nível médio de juros de 441,1% ao ano em novembro – 4,4 pontos porcentuais menor em relação ao mês anterior, mas ainda assim obsceno. Esse patamar, frise-se, é a média. Dependendo de cada instituição financeira, pode se aproximar de 1.000% ao ano. Trata-se de sério problema para o qual a autoridade monetária não encontra solução.

São questões que se misturam e ocupam o centro da polêmica envolvendo bancos e suas administradoras de cartões de crédito, as administradoras independentes conhecidas como “maquininhas” e o setor varejista. Uma disputa de mercado que levou os contendores à Justiça e vem motivando uma série de ataques de parte a parte, situação que deveria ser arbitrada pela autoridade monetária, já que o mercado não está conseguindo se regular por conta própria.

Cabe ao BC e ao Conselho Monetário Nacional firmar a posição a ser seguida pelo mercado. Como fez, por exemplo, em janeiro de 2020 ao limitar em 8% ao mês (151,8% ao ano) os juros cobrados no cheque especial. A medida está prestes a completar quatro anos sem prejuízos que colocassem em risco o sistema financeiro.

É urgente dar ao consumidor todas as informações sobre o uso do cartão de crédito, suas implicações, custos financeiros e consequências sobre a opção pelo pagamento mínimo da fatura. As compras parceladas, que representavam 7% do total em novembro de 2007, neste ano já respondem por 20%. O parcelamento no cartão, usado inicialmente para aquisição de bens de maior valor, como eletrodomésticos, hoje custeia despesas correntes, como a do supermercado. O resultado óbvio é a explosão da inadimplência.

Em entrevista ao Estadão, o presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil, Alfredo Cotait, confirmou o que deveria ser de domínio público sobre as vendas parceladas: “Nunca foi sem juros”. E explicou por que o comerciante não reduz o preço para compras à vista: “Não concede o desconto para não quebrar o marketing.”

As regras do cartão de crédito precisam mudar. Não há como colocar os juros impagáveis apenas na conta avaliação de risco do comprador e ficar por isso mesmo. Não dá para continuar a oferecer parcelamento “sem juros” sem ser obrigado a explicar claramente para o consumidor como esse milagre é possível. É necessário arbitrar a questão. E esse papel cabe ao Banco Central.

A era da ansiedade climática

Correio Braziliense

A mente humana tem uma inclinação natural para responder a ameaças imediatas e visíveis, enquanto eventos mais lentos e graduais muitas vezes são negligenciados

Provavelmente influenciadas pelos filmes apocalípticos de Hollywood, que precisam condensar a ação e uma história com início, meio e fim em cerca de duas horas, muitas pessoas alimentam a visão de um evento catastrófico que marcará definitivamente a mudança climática. A mente humana tem uma inclinação natural para responder a ameaças imediatas e visíveis, enquanto eventos mais lentos e graduais muitas vezes são negligenciados. Por isso, a imagem de eventos climáticos extremos em escala planetária que levem a um desastre global, como o derretimento súbito de calotas polares ou ondas de calor por todo o mundo, domina a narrativa de quem ainda não entendeu — ou não quer entender — que as mudanças estão ocorrendo silenciosamente, localizadas e sorrateiras, sem explosão dramática, se infiltrando em nossas vidas diárias e exigindo nossa atenção, respeito e ação imediata.

Por outro lado, milhares de pessoas que temem as chuvas cada vez mais violentas, o calor cada vez mais inclemente e a incerteza cada vez mais palpável, provavelmente, estão sofrendo de uma crise permanente de preocupação, que vem sendo chamada de ansiedade climática, ou ecoansiedade, palavra incorporada pelo Dicionário de Oxford e reconhecida pela Associação Americana de Psicologia como o medo agudo de uma catástrofe ambiental. Essa apreensão não é infundada. As recentes ondas de calor no Sudeste e no Centro-Oeste, as enchentes e tornados no Sul e as secas no Nordeste e na Amazônia são sintomas inequívocos de uma mudança climática em curso.

Os mais atingidos pela ansiedade climática são os jovens. Segundo um estudo da revista Lancet, 59% dos jovens entre 16 e 25 anos em vários países, incluindo o Brasil, estão extremamente preocupados com as mudanças. Não é por acaso. Além de uma sensação de impotência diante dos problemas ambientais, crianças e adolescentes também sentem que a crise climática não está sendo tratada com a urgência que merece. Essa ansiedade não é apenas um conceito abstrato: ela se manifesta em sintomas reais, como insônia e pânico. As pessoas que possuem uma conexão mais profunda com a natureza ou vivem em áreas verdes são particularmente suscetíveis.

Pessoas mais vulneráveis em termos econômicos também podem sofrer de ansiedade climática. Afinal, além de não poderem pagar para mitigar os efeitos imediatos, como o calor, os pobres são os mais propensos a um deslocamento forçado de suas casas, territórios e modos de vida, provocados por problemas como a elevação do nível do mar ou deslizamentos de terra após chuvas torrenciais.

Assim, a crise climática mostra que tem outras faces além do impacto severo e profundo no meio ambiente. É um problema que também toma conta das sessões de terapia e se revela uma questão de saúde mental. Para lidar com isso, é essencial reconhecer as mudanças no ecossistema global e a própria ansiedade climática como um problema de saúde pública, que demanda atenção especializada.

O desafio de acolher essas pessoas está posto para as equipes especializadas e mostra que o alerta para o cancelamento do futuro não é mera preocupação de ecologistas, biólogos e meteorologistas, mas uma realidade que impacta toda a sociedade e exige respostas multidisciplinares e urgentes.


 

 

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