O Estado de S. Paulo
Os cordões sanitários que permitiram isolar o extremismo de direita por 70 anos estão se esgarçando ou já se romperam. No Brasil, os ‘companheiros’ não parecem saber em que mundo estão vivendo
Desde a eleição de Donald Trump em novembro
de 2016, as democracias têm sido submetidas a constantes testes de estresse.
Não será diferente em 2024, quando o ex-presidente, muito provavelmente,
voltará a disputar com chances de vitória a Casa Branca. Se vencer, o risco
para a democracia será maior do que da primeira vez. Embora seja a mais
importante, a eleição presidencial nos Estados Unidos não é a única frente na
batalha em defesa da democracia.
Os sinais de ascensão da extrema direita estão quase por toda parte. A vitória do partido nacionalista xenófobo nas eleições parlamentares na Holanda, em novembro, é presságio de avanços de partidos do mesmo naipe nas eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024. Na Espanha, os socialistas se viram na contingência de fazer um grande acordo político, que pode lhes custar caro no futuro, para evitar um governo com a presença da extrema direita. O que foi possível evitar na Espanha ao final deste ano é provável que ocorra em Portugal, onde eleições antecipadas para o início de 2024 podem levar ao governo uma coalizão integrada pelo Chega, irmão siamês do Vox. Em nenhum desses casos, a extrema direita alcança votos e cadeiras suficientes para liderar a maioria no Parlamento, mas se afirma como força incontornável para a direita chegar ao poder. Os cordões sanitários que permitiram isolar o extremismo de direita por 70 anos estão se esgarçando ou já se romperam.
Na Itália, onde o governo é liderado pelo
partido de extrema direita Fratelli d’Italia, a primeira-ministra Giorgia
Meloni adota uma política mais moderada do que faziam crer o seu programa e sua
retórica de campanha. Recuo tático, provavelmente. A verdade é que as forças
democráticas, da centro-direita a centro-esquerda, estão na defensiva em quase
toda a Europa. A centro-esquerda europeia encontra dificuldade para responder
às “promessas não cumpridas da democracia” em meio a tendências estruturais de
concentração do capital, da renda e do poder e a tensões crescentes sobre a
distribuição dos custos da transição para uma economia de baixo carbono. À
insegurança econômica se somam e se associam temores em relação à imigração.
Nesse contexto, o populismo nacionalista xenófobo e negacionista tem produzido
respostas equivocadas, mas com crescente apelo eleitoral.
Também na América Latina, as forças
democráticas de centro e centro-esquerda estão na defensiva. É o que se vê no
Chile, por exemplo, onde o governo de Gabriel Boric, que se abriu à
social-democracia depois de muitos tropeços iniciais, se encontra com popularidade
em baixa, enquanto a direita pura e dura ganha terreno na sociedade e na
política. Na região, a insegurança econômica também está presente, embora não
exatamente nos mesmos termos. À diferença da Europa, porém, a insegurança em
relação à vida e à propriedade, provocada pela criminalidade endêmica e
organizada, tem peso muito maior.
No Brasil, o governo Lula busca se equilibrar
entre forças contraditórias. De um lado, vê-se obrigado a construir maioria
parlamentar num Congresso conservador no qual o espaço da política local
baseado em emendas parlamentares ocupa a maior parte da barganha política e do
já exíguo espaço orçamentário não carimbado por despesas obrigatórias. De
outro, tem de lidar com o próprio partido do presidente, em que predominam uma
visão míope de curto prazo e ideias gastas sobre as virtudes intrínsecas – não
importando onde, como e quando – de maior gasto público e intervenção estatal.
Consideradas essas dificuldades, que estreitam o raio de manobra para programas
e reformas de maior fôlego e abrangência, penso que o governo Lula não vai mal.
Ainda assim, os riscos de insucesso e suas
graves consequências políticas não devem ser minimizados. A alternativa
provável a um governo heterogêneo e contraditório como o atual não é o dos
sonhos dos liberais progressistas e socialdemocratas tupiniquins, entre os
quais me incluo. Como mostram Felipe Nunes e Thomas Traumann no recém-lançado
Biografia do Abismo: como a polarização
divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil, livro
publicado pela Harper Collins, a polarização entre o “lulismo” e o
“bolsonarismo”, mesmo sem Bolsonaro, dá sinais de se ossificar.
Essa ossificação impõe dois desafios. De um
lado, trabalhar politicamente para construir uma alternativa à polarização
mesmo que seja, no nível nacional, para depois de 2026. De outro, aprofundar o
aprendizado de fazer política no interior de frentes amplas, sob pena de ver
avançar uma direita sem escrúpulos democráticos e civilizatórios. Não é fácil
fazer as duas coisas, mas é necessário.
A presença no governo Lula de políticos não
petistas de expressão nacional, como o vicepresidente Geraldo Alckmin e as
ministras Simone Tebet e Marina Silva, indica que o aprendizado está sendo
feito do lado de fora do partido. Mas e dentro do PT? Voltados para o seu
próprio umbigo, velhas crenças e interesses de curto prazo, os “companheiros”
não parecem saber em que mundo estão vivendo, a julgar pela esdrúxula
manifestação de sua mais recente “conferência eleitoral”.
*Diretor-Geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP.
E pensar que o Estadão embarcou de cabeça nessa ideologia da extrema-direita. É de arrepiar!
ResponderExcluir"o Estadão embarcou de cabeça nessa ideologia da extrema-direita." ?
Excluir■■■O Estadão jamais embarca em extremismos e em populismos.
=》Mesmo em 1964, quando junto com praticamente todas as instituições conservadoras o "Estadão" apoiou o que estava sendo caracterizado como intervenção militar para impedir uma corrida dos extremos para ver quem hegemonizava primeiro o poder, o Estadão rompeu com a intervenção assim que ficou claro que os militares não providenciariam o mais imediatamente o retorno à democracia.
■■■A democracia no Brasil sempre foi e continua sendo ameaçada pelas ambições hegemonistas dos dois populismos, o dito "de direita" e o dito "de esquerda", hoje representados aqui pelo bolsonarismo e pelo lulismo, os dois articulados e prestando sempre apoio e solidariedade aos abusos praticados por ditadores, autocratas e mesmo a terroristas de seus campos políticos pelo mundo afora.
Vemos Bolsonaro associado e articulado no apoio de Donald Tramp, Victor Orbám, e outros assim e vemos Lula e o PT associados e prestando apoio à Xi Jiping, Vladimir Putin, Nicolás Maduro e outros assim.
■■■Aqui no Brasil estes dois populismos usam a democracia para ocupação de poder e sempre que podem ou quando se sentem contrariados assediam pessoas, forças e instituições mais democráticas.
A imprensa profissional e aderente à democracia é sempre um alvo destes impostores, que sempre estão denunciando extremismos de direita, uns, e denunciando extremismos de esquerda, outros, e quando se vai ver, os denunciantes são, eles por sua vez, ligados a extremismos e fundamentalismos que operam na chave contrária a que denunciam.
■■Como forma de assédio, para constranger e tentar calar a imprensa, os dois xingam, agridem e fazem associações alucinadas, mas que infelizmente encontram eco em seus adeptos pela baixa formação que têm e por já estarem doutrinados e terem internalizado tudo do ideologismo de seus polos, inclusive os jargões e as palavras de ordem::
■Imaginem como pode funcionar alguém que é chamado de "militante" e que não só aceita ser chamado assim, mas tem orgulho de ser um "militante", tantos os ditos "de direita" como os ditos "de esquerda".
■■■Mas a imprensa profissional no Brasil tem ótima qualidade, ainda, e nossos grandes jornais se colocam sempre na defesa da democracia.