O Globo
Maior dificuldade virá da gestão das contas
públicas, essencial para ditar a expectativa de investidores e agentes
econômicos
Se 2023 foi o ano da
preservação da democracia, de bons resultados na economia e da
aprovação da reforma tributária, 2024 exigirá do governo Lula maior capacidade
de negociar com os demais Poderes e de apresentar soluções contemporâneas para
problemas complexos. Isso demandará mais competência para atingir, por meio de
projetos e políticas públicas, os setores da sociedade ainda impermeáveis a seu
programa.
O maior desafio será a gestão das contas
públicas, essencial para pautar as expectativas de investidores e agentes
econômicos. É uma contradição perigosa o ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
apresentar sucessivas medidas, como as anunciadas ontem, para corrigir o que
ele considera distorções em termos de benefícios tributários e de outra
natureza a empresas e setores inteiros da economia, enquanto Congresso,
Judiciário e o próprio governo elevam seus gastos sem limites.
Também parece uma aposta arriscada do ministro esperar os últimos dias do ano para anunciar uma Medida Provisória para revogar uma lei aprovada pelo Congresso que havia sido vetada pelo presidente e restaurada pelos parlamentares, por meio da derrubada do veto.
Esse “pôquer interminável” com o Legislativo
só traz desgastes. Ao longo de 2023, viu-se que o Executivo não dispõe de uma
articulação política azeitada o suficiente, a despeito da grande nominata de
partidos que em tese integram a coalizão de Lula, para comprar brigas com o
Congresso.
Isso só elevará a dependência já considerável
em relação ao Judiciário, especificamente ao Supremo Tribunal Federal. Depois
não adianta reclamar de excessiva “judicialização”, ou de busca por
“protagonismo” ou de “ativismo” da Corte. Essa é outra das questões
desbalanceadas que precisam ser calibradas no ano que vem para o bem da
harmonia dos entes republicanos.
Mais uma contradição evidente precisará ser
equacionada, sob pena de o presidente ver mais arranhões em sua tão cara imagem
de líder global: a que existe entre um país que quer ser vanguarda no combate à
emergência climática e na preservação ambiental e o que está de olho na nova
fronteira petrolífera. Lula se esquivou de arbitrar a disputa ao longo do
primeiro ano, mas algum desfecho terá forçosamente de ser dado ao embate entre
setores do próprio governo nos próximos meses.
Outra questão em que o Planalto ficou devendo
neste primeiro quarto de mandato, e, certamente, responsável por manter em
níveis bem parcimoniosos a popularidade do presidente outrora chamado “o cara”,
são as posições em política externa.
O endosso incondicional a Nicolás Maduro não
foi consenso nem entre os integrantes do Mercosul e forneceu matéria-prima
farta para a narrativa da extrema direita bolsonarista, contraponto que eles
não poderiam esperar melhor ao desgaste do 8 de Janeiro, das joias sauditas, da
inelegibilidade de Bolsonaro e de outros reveses.
Nessa mesma linha, a dubiedade de Lula, que
arrastou em algumas ocasiões o próprio Itamaraty, em relação à guerra da Rússia
contra a Ucrânia e ao conflito israelo-palestino também turvou a tentativa de,
logo de cara, mostrar ao mundo que o Brasil “voltou” ao tabuleiro geopolítico
como um ator importante. Será preciso calibrar o discurso e evitar que o
presidente, com uma retórica muitas vezes não combinada com a diplomacia
profissional, crie embaraços ao país.
Por fim, Lula parece carente de um mote que
seja capaz de realmente unir o país. Se parece impossível atingir as franjas
mais radicalizadas, ao menos fazer com que se atinjam maiores fatias do
eleitorado urbano. Para isso, um posicionamento inteligente nas eleições, que
minimize disputas dentro da própria base capazes de fortalecer a oposição,
parece crucial. Mas não é algo, pelo que se vê, de que muita gente esteja
cuidando com zelo.
Vera entende das coisas.
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