quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Vinicius Torres Freire - Milei chama a 'casta' para governar

Folha de S. Paulo

Presidente eleito da Argentina junta gente de megaempresa, de Macri e larga libertários no sereno

Javier Milei é imprevisível, se move em zigue-zague e promove reviravoltas sempre que precisa. É o que se lê de analistas e jornalistas argentinos estupefatos, perplexos ou confusos a respeito do presidente eleito de seu país, que toma posse no domingo (10).

Ao final da sua primeira semana como presidente eleito, Milei passou a rifar amigos e próximos "libertários", que fazia pouco praticamente nomeara. A quatro dias da posse, a maioria dos companheiros de partido e de campanha "radicais" estão fulos e pasmos, pois sem cargos.

Dos mais próximos, nomeou os mais moderados, por assim dizer, e com boas relações com a "casta", se não são eles mesmos integrantes do establishment.

Ainda assim, Milei não fechou acordos maiores na Câmara dos Deputados, onde deve ter cerca 50 a 60 votos mais garantidos de um total de 257, até agora. Mas tenta se tornar palatável para o establishment.

A situação é dramática; o pacotão que deve divulgar na segunda-feira (11) deve ter um ajuste econômico muito, muito duro. Há quem acredite, na elite e no comentarismo argentino, que o cansaço com o desastre econômico possa fazer com que a maioria da população tolere a pancada.

De passagem e lembrando que o clima era outro, note-se que as reformas da Previdência e trabalhista no Brasil passaram quase sem protesto.

Segundo rumores recolhidos por jornalistas e consultores privados argentinos, Milei pretende cortar gastos do governo em valor equivalente a 5% do PIB. O plano de privatização seria extenso, assim como seria ampla a desregulamentação, de preços em particular.

Preços de comida, água, luz, energia, combustíveis, remédios, e telecomunicações, talvez de aluguéis e escolas, vão ser liberados, de um modo ou de outro. Subsídios de tarifas de serviços públicos seriam talhados.

Há chutes de que o câmbio oficial vai passar da casa de 350 pesos por dólar para 600; que a inflação vai sair do patamar de uns 10% ao mês para algo entre 15% e 20% nos primeiros meses de governo.

Como lidar com um barulho desses? Tentando falar com parte da "casta" antes tão insultada por Milei, com o "establishment".

economia ficou com ex-chefes da equipe econômica do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), da coalizão "Juntos por el Cambio (JXC)", de centro-direita e ora rachada. O grosso da turma vem da consultoria Anker, dos futuros ministro da Economia, Luis "Toto" Caputo, e presidente do Banco Central, Santiago Bausili.

A Segurança ficou com Patricia Bullrich, candidata a presidente derrotada da JXC. A Defesa ficou para seu vice, Luis Petri. Mas Bullrich e Macri estão ora rompidos —não houve um acordo de bloco político.

Outros cargos maiores, como o INSS deles e o Banco Nación, ficaram com peronistas não-kirchneristas ligados ao governador de Córdoba, Juan Schiaretti, e candidato derrotado a presidente.

O grupo de ministros mais político e a Infraestrutura ficaram com gente ligada à Corporación America, onde Milei trabalhou, holding do empresário Eduardo Eurnekián. São chamados faz algum tempo de "Eurnekián boys".

São o chefe de gabinete (espécie de ministro da Casa Civil), Nicolás Posse, o ministro do Interior, Guillermo Francos, o da Infraestrutura, Guillermo Ferraro, e o da Justiça, Mariano Cúneo Libarona, advogado dos Eurnekián faz décadas.

Posse, Francos e Diana Mondino, nomeada chanceler, são o grupo que, dizem argentinos, toureiam Milei.

Desde a campanha, Mondino, do mundo de executivos e empresários, dizia a colegas que o governo de Milei não seria radical como parecia (especialmente em temas como dolarização, fim do BC e relações internacionais).

A ver. Caputo e Bausili são contra dolarização e fim do BC (extinção que Milei, porém, diz ser "inegociável"). Um programa que está servindo de base para o plano econômico de Milei não prevê nada disso. É de Federico Sturzenegger, "economista-chefe" da campanha de Bullrich e ex-presidente do BC sob Macri. Vem desregulamentação enorme, vem ajuste doloroso de preços, vem pancada social.

 

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