Folha de S. Paulo
Presidente eleito da Argentina junta gente de
megaempresa, de Macri e larga libertários no sereno
Javier Milei é
imprevisível, se move em zigue-zague e promove reviravoltas sempre que precisa.
É o que se lê de analistas e jornalistas argentinos estupefatos, perplexos ou
confusos a respeito do presidente eleito de seu país, que toma posse no domingo
(10).
Ao final da sua primeira semana como
presidente eleito, Milei passou a rifar amigos e próximos
"libertários", que fazia pouco praticamente nomeara. A quatro dias da
posse, a maioria dos companheiros de partido e de campanha "radicais"
estão fulos e pasmos, pois sem cargos.
Dos mais próximos, nomeou os mais moderados,
por assim dizer, e com boas relações com a "casta", se não são eles
mesmos integrantes do establishment.
Ainda assim, Milei não fechou acordos maiores na Câmara dos Deputados, onde deve ter cerca 50 a 60 votos mais garantidos de um total de 257, até agora. Mas tenta se tornar palatável para o establishment.
A situação é dramática; o pacotão que deve
divulgar na segunda-feira (11) deve ter um ajuste econômico muito, muito duro.
Há quem acredite, na elite e no comentarismo argentino, que o cansaço com o
desastre econômico possa fazer com que a maioria da população tolere a pancada.
De passagem e lembrando que o clima era
outro, note-se que as reformas da Previdência e trabalhista no Brasil passaram
quase sem protesto.
Segundo rumores recolhidos por jornalistas e
consultores privados argentinos, Milei pretende cortar gastos do governo em
valor equivalente a 5% do PIB. O plano de privatização seria extenso, assim
como seria ampla a desregulamentação, de preços em particular.
Preços de comida, água, luz, energia,
combustíveis, remédios, e telecomunicações, talvez de aluguéis e escolas, vão
ser liberados, de um modo ou de outro. Subsídios de tarifas de serviços
públicos seriam talhados.
Há chutes de que o câmbio oficial
vai passar da casa de 350 pesos por dólar para
600; que a inflação vai sair do patamar de uns 10% ao mês para algo entre 15% e
20% nos primeiros meses de governo.
Como lidar com um barulho desses? Tentando
falar com parte da "casta" antes tão insultada por Milei, com o
"establishment".
A economia ficou
com ex-chefes da equipe econômica do ex-presidente Mauricio
Macri (2015-2019), da coalizão "Juntos por el Cambio (JXC)",
de centro-direita e ora rachada. O grosso da turma vem da consultoria Anker,
dos futuros ministro da Economia, Luis "Toto" Caputo, e
presidente do Banco Central, Santiago Bausili.
A Segurança ficou com Patricia Bullrich,
candidata a presidente derrotada da JXC. A Defesa ficou para seu vice, Luis
Petri. Mas Bullrich e Macri estão ora rompidos —não houve um acordo de bloco
político.
Outros cargos maiores, como o INSS deles e o
Banco Nación, ficaram com peronistas não-kirchneristas ligados ao governador de
Córdoba, Juan Schiaretti, e candidato derrotado a presidente.
O grupo de ministros mais político e a
Infraestrutura ficaram com gente ligada à Corporación America, onde Milei
trabalhou, holding do empresário Eduardo Eurnekián. São chamados faz algum
tempo de "Eurnekián boys".
São o chefe de gabinete (espécie de ministro
da Casa Civil), Nicolás Posse, o ministro do Interior, Guillermo Francos, o da
Infraestrutura, Guillermo Ferraro, e o da Justiça, Mariano Cúneo Libarona,
advogado dos Eurnekián faz décadas.
Posse, Francos e Diana Mondino, nomeada
chanceler, são o grupo que, dizem argentinos, toureiam Milei.
Desde a campanha, Mondino, do mundo de
executivos e empresários, dizia a colegas que o governo de Milei não seria
radical como parecia (especialmente em temas como dolarização, fim do BC e
relações internacionais).
A ver. Caputo e Bausili são contra
dolarização e fim do BC (extinção que Milei, porém, diz ser
"inegociável"). Um programa que está servindo de base para o plano
econômico de Milei não prevê nada disso. É de Federico Sturzenegger,
"economista-chefe" da campanha de Bullrich e ex-presidente do BC sob
Macri. Vem desregulamentação enorme, vem ajuste doloroso de preços, vem pancada
social.
Um comentário:
Argentina está frita.
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