Folha de S. Paulo
Faltando poucos dias para Congresso votar
leis essenciais para plano Lula, partido frita ministro
O governo tem dez dias para aprovar no Congresso aumentos
da receita de impostos e a reforma tributária. Às vésperas desses dias
decisivos para o sucesso econômico de Lula 3,
o PT pendurou Fernando
Haddad em um poste e o malhou feito um Judas. Faltou chama-lo de
traidor.
No sábado (9), Gleisi Hoffman, presidente do PT, disse que, por ela, o déficit seria "de 1%, 2%" do PIB em 2024. Um dia antes, no texto de uma resolução do PT, que ainda pode ser revisado, lia-se que "não faz sentido" "a pressão por arrocho fiscal exercida pelo comando do BC, rentistas e seus porta-vozes na mídia e no mercado. O Brasil precisa se libertar, urgentemente, da ditadura do BC ‘independente’ e do austericídio fiscal...".
Na prática, os manifestos do PT não fazem
quase diferença alguma. Lula decide; Haddad tem evitado as besteiras maiores
propostas por colegas de ministério e partido.
No entanto, o Congresso pode apresentar a
conta para o ministro da Fazenda: "você quer dinheiro, mas seu partido não
ajuda". Além do mais, o PT chutou o centrão, o que é legítimo, mas não
alivia o desespero desta quinzena legislativa final.
Não é novidade que o PT tenha tais ideias.
Lula começou a abrir as porteiras para esse pensamento mágico-tosco na virada
para seu segundo mandato. De início, não causou muito dano. A dívida caía e o
governo tinha burras cheias de dinheiro. Agora, o país está estagnado faz uma
década, o dinheiro acabou, a dívida é enorme e é difícil arrumar receita para
pagar ao menos a despesa primária. Lula pode voltar a liberar a boiada? Essa
dúvida custa caro.
Notem que Gleisi fala de déficit PRIMÁRIO de
"1%, 2%" do PIB. A meta de Haddad é zero; dificilmente o déficit será
menor do que 0,7%. Porém, o déficit total ("nominal") do governo
central, nos últimos 12 meses, foi de 6,84% do PIB (R$ 724 bilhões). O déficit
primário foi de 1,03% do PIB (falta para pagar despesas correntes) e a conta de
juros foi de 5,8% do PIB (pagos com mais dívida).
Essa conversa está podre de velha, mas ainda
causa estupefação, inclusive para não-liberais; dá vergonha discutir coisa tão
tosca.
O PT acusa rentistas, entre outros, de querer
limitar o déficit. De onde vai tirar dinheiro para financiar o déficit e o
pagamento dos juros? Vai tomar emprestado dos rentistas, entre outros.
De quanto será a taxa de juros? Em
parte, será
a Selic,
definida pelo Banco Central. Na maior parte, para empréstimos de prazos
maiores, não. A Selic influencia essas outras taxas, mas não as determina.
Quem diz quanto vai custar o empréstimo?
Rentistas e outros credores: 27,4% da dívida mobiliária federal fica com
previdência privada e seguradoras (que precisam deixar dinheiro em lugar
seguro, para fazer os pagamentos que devem); 23,5% com fundos de investimento
(poupança privada, dos mais ricos e mesmo remediados que tenham um "fundo
de banco"); 4% com instituições do governo; 10,2% com não-residentes no
país; 28,3% com instituições financeiras (mas nem todo esse dinheiro "é do
banco").
Uma dívida que cresce sem controle vai fazer
com que os credores peçam taxas de juros maiores, tudo mais constante.
Qual é o plano, então, afora um calote
explícito e suicida? Tabelar os juros, de modo direto ou indireto, com
financiamentos ou intervenções do BC (ora ilegais)? Supondo que essa ideia não
cause tumulto imediato (causará), o que fazer da inflação, que subirá também
por causa da desvalorização do real (muito rentista não ficará com seus haveres
em reais)? Para quem lê ao menos jornais, é fácil perceber que isso lembra a
Argentina.
Melhor do que tomar emprestado dos ricos é
cobrar-lhes imposto, mas até isso tem limite e é politicamente difícil. Dívida
maior enriquece rentista.
O desânimo é muito grande.
Tudo é difícil.
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