Folha de S. Paulo
Lula termina 23 fazendo festa com
parlamentares, que atacarão o bolso do governo em 2024
Luiz Inácio Lula da Silva
era todo simpatia com deputados e senadores nesta quarta-feira —simpatia é
quase amor, dizia uma graça do Carnaval do Rio. O presidente foi ao Congresso para a
festa da promulgação da reforma tributária, um grande feito de seu governo,
embora também uma obra tocada pelo empreiteiro parlamentar Arthur Lira (PP-AL),
presidente da Câmara e sultão de todos os centrões.
O ambiente era risonho e franco, até para o
riso cínico. Lula disse, por exemplo, que o Congresso era a cara dos
brasileiros, o que alguém pode tomar por insulto. Foi pelo menos uma
impropriedade: os parlamentares são mais homens e mais brancos do que o povo,
por exemplo. Lula um dia disse que a larga maioria ali era de picaretas (300
deles); vários dos que estavam nas cercanias do presidente eram lobistas do
favor tributário para empresas, entre outras benesses.
Sintomaticamente, talvez um augúrio, nesse dia tão solene um deputado Quaquá, do PT, meteu a mão na cara de um deputado Messias, do Republicanos. Como será o ano que vem? Haverá facadas quando começar a disputa pelos dinheiros restantes do Orçamento. Facadas em Lula, mais precisamente em Fernando Haddad.
Para o bem e para o mal, disputas pelo
destino do dinheiro dos impostos (e da dívida nova de cada ano) são o arroz com
feijão do Congresso, quando não a carne mesmo. A carne é pouca e fraca. Em
parte uma fatura da aprovação da reforma tributária, deve haver mais dinheiros
para emendas parlamentares. Mais
dinheiro para emendas do que para o PAC, o Programa de Aceleração do
Crescimento de Lula, provavelmente.
Deputados e senadores bem poderiam destinar
suas mexidas no Orçamento, suas emendas, para obras importantes para a
aceleração do crescimento e para o bem-estar dos comuns. Mandarão dinheiro para
seus amigos e suas paróquias, picotando em ninharias ou coisa pior o pouco
dinheiro que resta livre no Orçamento (despesa que não está presa a um gasto
obrigatório, uns 92% ou 93% do gasto primário, a ver). É o programa de
avacalhação do crescimento.
Seria "business as usual", o
negócio de sempre, não fosse o fato de que a pressão para liberar dinheiros
deve avacalhar ainda mais a meta de "déficit zero" do ano que vem.
Déficit primário zero: receitas e despesas equilibradas, sem contar, porém, o
gasto com juros, a maior parte, ora uns 90%, do déficit total.
O primeiro ano de Haddad foi um relativo
sucesso. Relativamente grande, ainda maior quando se pensa que o ministro teve
de enfrentar quase sozinho com quase o governo inteiro, o PT e os centrões.
Em março de 2024, depois da revisão da
estimativa de receitas e despesas, Haddad teria de limitar gastos a fim de
evitar o estouro muito vexaminoso da meta fiscal, mesmo já estando previstas
gambiarras legais para facilitar o rombo, o déficit: o aumento da dívida, que
tanto alegra os rentistas. Haddad levará pernadas do PT, rasteiras de colegas
do ministério e facadas no Congresso, ainda mais ávido de emendas, pois é ano
de eleição, de ajudar amigos "da base" e de engordar o gado no curral
para 2026. Talvez a meta caia, oficialmente.
Em ano eleitoral, em tese as emendas têm de
ser liberadas até fins de junho. Logo, teremos ao menos quatro meses de tapa
pelos dinheiros restantes. O gasto será ineficiente, dado o caráter das
emendas. Os parlamentares quererão o dinheiro o mais cedo possível, a fim de
fazer palanque, palanque em que a meta fiscal de Haddad provavelmente será
estripada ou enforcada, um quase cadafalso. A
avacalhação da meta impedirá queda maior das taxas de juros e, assim,
vai solapar um tanto de crescimento. O clima azedo tende a impedir progressos
legislativos. Feliz 24, Haddad.
Coitado do Haddad,o pior momento para o pior cargo do mundo,rs.
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