O Estado de S. Paulo
Legislativo avança sobre Executivo numa luta em que perdem todos
A política brasileira se concentra na disputa
acirrada por migalhas do Orçamento, e o Legislativo acaba de aumentar sua
migalha à custa do Executivo. O resultado é inédito na história política do
País.
Com a aprovação da LDO de 2024, o Congresso
passará a deter ao menos 20% das despesas discricionárias, aquelas sobre as
quais o governo tem certa liberdade de decisão. Os números arredondados são
eloquentes.
O Orçamento prevê despesas de uns R$ 2
trilhões, dos quais um pouco mais de 90% tem destinação fixa em lei (gastos
obrigatórios). Os discricionários, portanto, ficam em torno de R$ 220 bilhões.
Deste total, R$ 48 bilhões são emendas parlamentares obrigatórias, ainda por cima com prazo até metade do ano. É possível que o Legislativo brasileiro acabe ficando com até ¼ das “despesas livres” – segundo o economista Marcos Mendes, esse grau de controle parlamentar sobre o Orçamento não tem comparação com países da OCDE.
Há dois fenômenos políticos envolvidos nesse
processo, nenhum de fácil solução. O primeiro, mais evidente, é o fato de que o
Legislativo aumentou suas prerrogativas na última década aproveitando-se de uma
sucessão de presidentes com grandes fragilidades políticas, sobretudo quanto à
capacidade de articulação no Congresso.
O segundo é “estrutural”: o extraordinário
engessamento do Orçamento, com efeito negativo não só sobre a capacidade de
qualquer governo de rearranjar prioridades. Uma das suas piores consequências é
a limitação do espaço para cortar despesas. É uma espécie de obrigação de
gastar muito e mal.
É inquestionável que as mãos amarradas de
Lula 3 frente ao Congresso não guardam comparação com o Lula 1. A aproximação
do presidente com o STF, em busca de um contrapeso aos dois primeiros-ministros
do atual semipresidencialismo, indica que Lula compreendeu parte dessa profunda
alteração da relação de poder entre Legislativo e Executivo.
Obrigado pelas circunstâncias que não
consegue alterar, Lula tem feito largo uso do instrumento político das emendas
em votações no Congresso. Acaba aprofundando outro “vício” mais amplo na
complicada governabilidade brasileira. Esse dinheiro é pulverizado em redutos
eleitorais dos mais diversos – para falar apenas do lícito – sem critérios que
obedeçam a prioridades de políticas públicas.
O presidente é parte do conjunto de forças
políticas sem apetite ou capacidade para enfrentar questões de fundo como o
mínimo constitucional de saúde e educação, por exemplo. A briga por migalhas
produz copioso noticiário político sobre “vitórias” e “derrotas”. Mas estamos
perdendo todos.
Verdade.
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