segunda-feira, 12 de junho de 2023

Sérgio Abranches* - A mão que afaga e apedreja

Ilustríssima / Folha de S. Paulo

[Resumo] Criador do termo presidencialismo de coalizão, o cientista político Sérgio Abranches analisa como o modelo político brasileiro entrou em crise nos últimos dez anos, o que se manifesta agora nas dificuldades que Lula tem enfrentado com o Legislativo. O número excessivo de partidos, a diminuição das bancadas das principais siglas, a onda bolsonarista que rompeu o bipartidarismo que vigorou de 1994 a 2014, a radicalização do jogo político e o fortalecimento do Congresso, entre outros fatores, deixaram o Executivo fragilizado, ainda mais dependente de bons resultados na economia e da liberação de verbas e cargos para conseguir implantar seus projetos.

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O Brasil não mudou seu modelo político. Ele continua a ser o presidencialismo de coalizão. O sistema é presidencialista e multipartidário. A federação contém distintos arranjos partidário-eleitorais. A relação entre o voto presidencial e o voto para deputados é tênue, dada a diferença entre os colégios eleitorais, nacional para os presidentes e estadual para parlamentares.

Daí a quase impossibilidade de que o presidente eleito consiga maioria com o seu partido no Congresso, um dos elementos que tornam o presidencialismo de coalizão inevitável. Ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, no Brasil o presidente não governa sem maioria na Câmara e no Senado. Logo, precisa formar uma coalizão de partidos que lhe garanta condições de governar.

Todavia, o fato de um partido ser favorito na disputa presidencial influencia fortemente sua estratégia para as eleições parlamentares. Embora a relação seja muito mediada, um partido "presidencial" tende a ser muito competitivo nas eleições parlamentares, mas não a ponto de fazer a maioria.

O PSDB cresceu nas vitórias de FHC. O PT ganhou presença parlamentar robusta nas eleições de Lula. Ficou com a maior bancada em 2010, quando Dilma ganhou seu primeiro mandato. Manteve esta posição em 2014, embora perdendo cadeiras. O PSL inchou na onda Bolsonaro. Os partidos presidenciais estiveram entre as três maiores bancadas na Câmara durante os mandatos dos governantes que elegeram.

O modelo entrou em crise em razão de mudanças estruturais e comportamentais na política brasileira. A ruptura eleitoral de 2018 desestruturou o padrão que formou governo e oposição, de 1994 a 2014, e equilibrava o processo político.

Esse padrão se assenta em dois eixos partidários-eleitorais. Um eixo é bipartidário, no qual se disputa a Presidência da República. O outro é multipartidário, em que os partidos competem por cadeiras no Congresso, com o objetivo de maximizar seu ativo parlamentar para ingressar na coalizão governista, dependendo de quem seja eleito para o Planalto.

Demais candidatos a presidente, quando chegaram a ser competitivos, não conseguiram ultrapassar os 20% dos votos.

O eixo bipartidário, de vocação presidencial, se rompeu com o estilhaçamento do PSDB pela onda Bolsonaro. O espaço vazio deixado pelo ocaso dos tucanos complica bastante as relações governo-oposição. Não está claro que legenda o substituirá na disputa nacional com o PT. Se esse eixo não se refizer, as eleições presidenciais podem se tornar mais voláteis, com impacto negativo na formação das bancadas, na estabilidade política e na governabilidade.

Carlos Pereira* - O presidencialismo desequilibrado?

O Estado de S. Paulo

A impositividade de emendas é restrição, mas não impeditivo para a formação de coalizões majoritárias

Tem ganhado força a interpretação de que o equilíbrio das relações Executivo-Legislativo da Constituição de 1988, caracterizado por um Executivo forte e um suposto Legislativo fraco, se quebrou. Entretanto, como lembram Cox e Morgenstern, os Legislativos na América Latina, embora nunca tenham exercido um papel proativo, como nos EUA, estão longe de serem fracos. Para esses autores, o Legislativo no Brasil tem exercido um papel reativo, cooperando com o presidente em troca de compromissos e/ou retornos políticos/financeiros.

Supostamente, algumas mudanças institucionais teriam ferido de morte o domínio do Executivo. Notadamente, a execução impositiva e igualitária das emendas individuais e coletivas teria fortalecido sobremaneira o Legislativo, dificultado a formação de coalizões majoritárias e aumentado os custos de governabilidade.

Será que a impositividade dessas emendas e sua distribuição igualitária tornaram o Legislativo brasileiro autônomo a ponto de não haver vantagens para que partidos participem da coalizão do presidente? É verdade que o sucesso legislativo de presidentes caiu a patamares inferiores a partir do governo Dilma. Mas o mau desempenho teve início antes da impositividade das emendas individuais. Além do mais, Temer teve performance no Legislativo bem superior à da sua antecessora, inclusive derrotando dois pedidos de impeachment da PGR, mesmo com emendas impositivas.

Fernando Gabeira - Desde quando, cara-pálida?

O Globo

Os deputados mais antigos sabem que a Constituição garantiu as terras aos povos originários para fazer uma justiça histórica

O fato de a Câmara ter votado um marco temporal para a demarcação das terras indígenas não me surpreendeu. As ideias de Bolsonaro de que os povos originários devem se integrar à sociedade nacional têm muitos adeptos.

Já visitei algumas distantes aldeias ianomâmis com deputados e militares e ouvi muitos comentários sobre o desconforto em que vivem, seminus na floresta. Como seria bom para eles se tivessem nosso padrão de consumo, andassem de carro, vestissem terno e gravata.

É muito difícil entender outras culturas e religiões, aceitar um tipo de felicidade que não é a nossa. Mas a Constituição de 1988, num momento de lucidez, garantiu que os povos originários têm direito à sua cultura, à sua religião e também às suas terras.

Ana Cristina Rosa - O tamanho do rombo

Folha de S. Paulo

É possível que o total de recursos públicos cuja destinação foi indevida seja ainda maior

A democracia brasileira vem sofrendo abalos de fontes e magnitudes variadas. Alguns, orquestrados nos bastidores, só têm se tornado públicos em razão de investigações policiais. Outros, praticados às claras, são mais fáceis de identificar.

É o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 9/2023, em tramitação no Congresso Nacional para mudar as regras de eleições pretéritas e perdoar ilegalidades cometidas com dinheiro público por partidos políticos dos mais diversos matizes ideológicos.

Na semana passada, a Folha divulgou que, no pleito de 2022, candidatos pretos e pardos deixaram de receber R$ 741 milhões e mulheres, outros R$ 139 milhões. Tudo em razão do descumprimento das cotas de gênero e de raça previstas na legislação eleitoral vigente.

Lygia Maria - Ame de qualquer maneira

Folha de S. Paulo

Crítica que atrela monogamia ao capitalismo tem tom autoritário que ignora história natural e romantismo

"Qualquer maneira de amor vale a pena", diz Milton Nascimento. Mas, ao longo da história, algumas formas foram privilegiadas e, outras, não só desvalorizadas como penalizadas. Após muita luta, parte das sociedades baniu leis nefastas que interferiam nessa liberdade individual.

Ainda há padrões. A monogamia é um deles, e vem sendo alvo de críticas por dois motivos: repressão dos desejos e opressão política.

Tal comportamento seria uma construção antinatural que gera sofrimento psíquico. Mas seres humanos, a todo momento, reprimem instintos para viver em sociedade. Há custos, mostrou Freud em "O mal-estar na civilização", mas é uma troca vital para os grandes feitos da cultura humana —ciência, democracia etc.

E é justamente por causa desses grandes feitos que, hoje, podemos escolher se ficamos solteiros ou casamos, se entramos em um relacionamento aberto ou no poliamor.

Marcus André Melo* - Junho de 2013

Folha de S. Paulo

Do consumidor que se tornou cidadão zangado ao cinismo cívico

O argumento de que o bolsonarismo ou o 8 de janeiro têm origem em junho de 2013 ou decorrem dele inverte a direção da causalidade: ele não é causa, mas sintoma. Como discuti aqui há diversos fatores envolvidos, mas podemos descartar pelo menos dois.

O primeiro é a economia. Não é razoável associar as manifestações ao fim do boom de commodities: a inflexão começou em 2012. O desemprego só explodiu a partir do último trimestre de 2014.

A inflação de 2013 (5.9%) era igual à de 2008. O superávit primário de 2013 estava no mesmo nível de 2008, e só despencaria em 2014. A crise ainda não havia se instalado e seu efeitos ainda não eram percebidos. Era assunto de especialistas.

Bruno Carazza* - Lembranças e leituras de Junho de 2013

Valor Econômico

Memórias de dez anos atrás trazem fatos que repercutem no Brasil de hoje

No dia 22 de junho de 2013, eu havia participado da festa junina na escola dos meus filhos pela manhã e de lá desci a pé para o centro de Belo Horizonte, onde havia combinado de me encontrar com um (ex) casal de amigos.

Havia uma atmosfera diferente na cidade, e não era devido ao jogo entre Japão e México pela Copa das Confederações, marcado para as 16 horas no Mineirão. Nos últimos dez dias o país vinha sendo agitado por manifestações de milhares de pessoas e naquele sábado seria realizada a maior passeata em BH.

Chegando à Praça Sete, pude constatar aquilo que vinha acompanhando pelos jornais e pela TV. Com pincéis e cartolinas coloridas, jovens pediam educação e saúde “padrão Fifa” e escreviam palavras de ordem contra a corrupção. Embora eu tivesse visto vários conhecidos de esquerda, a maioria claramente não tinha preferência partidária e estava num protesto de rua pela primeira vez - éramos “manifestantes de sofá”, como se criticava na época.

Sergio Lamucci - O otimismo no mercado e os desafios de longo prazo

Valor Econômico

Melhora dos níveis do câmbio, dos juros e da bolsa é bem-vinda, mas caminho para taxa real mais baixa de modo sustentado ainda será longo

A evolução dos preços dos ativos brasileiros nos últimos dois meses e meio impressiona. O Ibovespa subiu quase 20% desde 23 de março, enquanto o dólar recuou 41 centavos, para R$ 4,876, uma queda de 7,8%. A taxa dos contratos de juros futuros com vencimento em 2029, por sua vez, caiu de quase 13% para menos de 11% ao ano. Esse desempenho reflete fatores internos e externos que levaram a uma melhora da percepção de risco do país, abrindo espaço para que os juros possam cair talvez a partir de agosto, embora o problema da sustentabilidade das contas públicas no longo prazo esteja longe de ser resolvido.

No campo doméstico, do fim de março para cá, houve a apresentação do projeto do novo arcabouço fiscal, já aprovado pela Câmara dos Deputados, a divulgação de números mais favoráveis de inflação e o anúncio do PIB do primeiro trimestre, trazendo um resultado visto como não inflacionário - a agropecuária teve um crescimento muito forte, o que ajuda a segurar os preços de alimentos, e uma demanda interna contida. No front externo, o cenário melhorou para países emergentes como o Brasil. A expectativa passou a ser de um ciclo de alta de juros menos intenso por parte do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), que deve interromper o aperto monetário na reunião desta semana, ainda que possa retomá-lo ainda neste ano.

Jairo Saddi – Desenrolando

Valor Econômico

Economias capitalistas já criaram programa similar para tornar um sistema financeiro mais saudável para todos

É da maior relevância para o país a nova Medida Provisória nº 1.176, de 6 de junho de 2023, que institui o programa emergencial de negociação de dívidas de pessoas físicas inadimplentes, o “Desenrola Brasil”: num país com 69,4 milhões de inadimplentes, número 7,8% maior do que no ano passado, qualquer programa que busque resolver problemas de crédito com uma reestruturação organizada da inadimplência merece calorosa recepção. O anúncio foi eclipsado pelo programa governamental do carro popular e ainda não está operacional, mas, mesmo assim, o Desenrola passou por muita discussão e diversas resistências foram superadas, inclusive de problemas de compatibilidade de informações e sistema.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

BC pode dar já o sinal de que os juros começarão a cair

Valor Econômico

IPCA de maio deu amplos sinais de desaceleração consistente da inflação

O declínio convincente da inflação, confirmado pelo IPCA de maio, deve levar o Banco Central a sinalizar que o período de aperto monetário encaminha-se para sua reversão. Afora a reunião do Copom, outros fatores podem influir na política monetária até o fim do mês. O Conselho Monetário Nacional deve estabelecer, em 29 de junho, a meta de 2026 e confirmar a de 2025, assim como mudar o intervalo de tempo no qual a meta deve ser atingida. No mesmo dia, mas com efeitos sobre a orientação futura do BC sob a égide do governo Lula, será sabatinado pelo Senado Gabriel Galípolo, atual braço direito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, indicado para a diretoria de política monetária.

A tempestade de críticas ao Banco Central feitas pelo presidente Lula e seus ministros produziu muito calor e pouca luz. A resposta sobre a eficácia ou não da política executada pelo BC é demonstrada agora pelos resultados, como o do IPCA de maio, inferior ao de todas as expectativas de mercado. Depois de 11 meses elevando a taxa Selic até atingir 13,75%, e mais 7 meses mantendo-a nesse nível, o aumento dos juros levou o tempo de livro texto para começar a dobrar a inflação, de 18 a 24 meses. O IPCA de 0,23% diminuiu a taxa acumulada em doze meses a 3,94%, dentro das margens do sistema de metas. O IGP-DI, com deflação de 2,23%, acumulou queda de 5,49% em um ano, a maior da série, iniciada em 1945.