sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Bernardo Mello Franco - O sequestro do Orçamento

O Globo
Presidente da Câmara lidera motim contra corte em emendas parlamentares; Lula é avisado de que veto deve ser derrubado

Lula derrotou o bolsonarismo e afastou a ameaça de golpe, mas ainda patina para cumprir outro desafio de seu terceiro mandato: restaurar o presidencialismo no Brasil.

O sistema tem regras simples: o Judiciário julga, o Legislativo legisla e o Executivo governa. Nos últimos tempos, o Legislativo passou a legislar e governar. Sequestrou o Orçamento e esvaziou o poder presidencial.

Num país em que falta dinheiro para o básico, a verba reservada às emendas parlamentares quase triplicou em cinco anos. Em 2024, o valor previsto é recorde: R$ 47,5 bilhões. Passaria de R$ 53 bilhões, não fosse o veto de Lula no início da semana.

O corte de R$ 5,6 bilhões nas emendas de comissão gerou um clima de motim no Congresso. O chefe da grita é o deputado Arthur Lira, que ameaça derrubar o veto e impor outras derrotas ao Planalto.

Para espantar o risco de impeachment, Jair Bolsonaro criou o orçamento secreto e entregou a chave do cofre ao Centrão. Os parlamentares avançaram sobre as atribuições do governo, enquanto o capitão se ocupava com lives e motociatas.

“O ex-presidente não tinha governança nesse país. Quem governava era o Congresso”, disse Lula na segunda-feira. É verdade, mas ele ainda parece longe de restaurar os poderes do cargo.

O sequestro do Orçamento dilui o papel do presidente. Ele ainda nomeia os ministros, mas vê deputados e senadores decidirem onde o dinheiro dos impostos será alocado.

Se as emendas sempre existiram, seu inchaço criou um sistema disfuncional. A lógica do parlamentar é abastecer sua base para facilitar a própria reeleição. O compromisso é com a clientela, não com o programa de governo escolhido nas urnas.

Desde que voltou ao Planalto, Lula pena na relação com o Congresso. Sua tentativa de governar sem o Centrão fracassou. Com a faca no pescoço, ele aceitou entregar três ministérios à turma de Lira. Mesmo assim, continua sem uma base estável.

Em entrevista à Rádio Metrópole, o presidente disse que negociar com a Câmara é “sempre um prazer e sempre difícil”. Se não recuperarem as emendas perdidas, os deputados farão de tudo para reduzir o prazer e aumentar a dificuldade.

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