quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

Bruno Boghossian - O esqueleto de Abreu e Lima

Folha de S. Paulo

Apesar de interesse político e desejo de desforra, presidente poderia evitar assombrações do passado

Antes de embarcar para Havana, em setembro, Lula encomendou uma escala em Pernambuco. O presidente queria anunciar um investimento bilionário na refinaria Abreu e Lima. Não houve tempo para organizar o evento, a vida seguiu, e o projeto virou fato consumado. Mas o petista não desistiu de pisar ali.

Um misto de interesse político, desejo de desforra e excesso de confiança levará Lula a revirar o esqueleto de Abreu e Lima. O presidente viaja nesta quinta (18) para visitar as obras de expansão da refinaria.

Não é fácil defender o processo que pôs Abreu e Lima de pé desde 2005. Mal planejada e executada, a obra consumiu quase dez vezes o orçamento inicial. A Venezuela, que prometia rachar o custo com o Brasil, pulou fora. Dirigentes da Petrobras e empreiteiras admitiram que o projeto rendeu propinas milionárias.

Descontados alguns radicais, que escolheriam queimar o terreno ou vender a planta a preço de banana, há gente no mercado que vê sentido nos novos investimentos. O país precisa do diesel refinado ali, e a Petrobras ganha aplicando dinheiro num projeto que já existe.

Ainda assim, Lula poderia evitar assombrações do passado se deixasse a discussão para a diretoria da estatal, que é obrigada a prestar contas aos acionistas. Se estivesse em busca de um palanque qualquer, o presidente poderia encontrar projetos mais inovadores e menos infames.

Lula, na verdade, trata a visita a Abreu e Lima, em alguma medida, como uma resposta à Lava Jato. Um dos objetivos é exibir o esforço do governo para recuperar um setor econômico cuja decadência o petista sempre atribuiu à operação. Outro propósito é martelar a mensagem de que a investigação foi derrotada após a anulação de condenações.

O desembaraço só não se justifica porque Lula sabe diferenciar os fatos dos abusos cometidos pela operação. Na campanha de 2022, entre críticas à Lava Jato e uma defesa pessoal, ele mesmo reconheceu: "Você não pode dizer que não houve corrupção se as pessoas confessaram".

 

Um comentário: