O Globo
É preciso voltar a ouvir os cineastas
brasileiros, que transmitem nosso testemunho do que somos
Terminei meu artigo do último domingo com uma
frase muito simples que escancara as necessidades de sobrevivência do cinema
brasileiro: “Os
filmes estavam ficando cada vez melhores”, escrevi, “era preciso
construir então a economia nacional que os iria expandir; e essa economia, como
hoje, não poderia existir sem uma participação decisiva do Estado”.
O governo federal resolveu finalmente
contribuir com essa “participação decisiva”, restabelecendo o compromisso dos
que são responsáveis pela exibição de filmes no país. Cada sala de exibição
teria que passar um filme brasileiro dentro de uma proporção de filmes
estrangeiros ali exibidos.
Essa regra foi criada no Brasil no finalzinho do século XX por iniciativa de um grupo de cineastas convocado pelo governo de então para isso. Os filmes estrangeiros não eram em nada prejudicados pela iniciativa, pois o número de filmes nacionais que se beneficiavam da regra era proporcional ao número de seu resultado, em confronto com a renda total dos estrangeiros assinalada pelo valor de sua distribuição no país.
Assim, era esse o valor que servia à escolha
dos filmes estrangeiros, a partir do que eles contribuíam com o Condecine, uma
taxa que tinham que pagar para exibir seu produto entre nós. Como essa taxa
também era paga pelo produto nacional, quase sempre era esse Condecine que
financiava a produção nacional, sem necessidade de recorrer a valores de nosso
orçamento nacional. Os filmes brasileiros eram então produzidos e exibidos
graças a esses recursos, sem ter que recorrer a valores que iriam empobrecer as
reservas do Estado.
Com a ascensão de Jair Bolsonaro à
presidência da República, trazendo com ele tantos inimigos, como ele, de nossa
independência cultural, esses critérios desapareceram dando lugar à descabida
acusação de que o cinema nacional estava consumindo nossos recursos sem nos dar
nada em troca.
Para sermos honestos, precisamos também dizer
que a produção de filmes brasileiros entrou num parafuso de qualidade que não
colaborou em nada com essa crise. Era sempre mais fácil dizer que tal filme não
tinha rendido nada, alargando assim o buraco em que nos tínhamos metido, do que
argumentar com a forma de seu financiamento e a verdade sobre quem estava
contando o dinheiro que tinha sido economizado.
O cinema nacional estava condenado por sua
falta de qualidade. Não se tratava mais de fazer um esforço para seguir
ganhando prêmios e ótimas crônicas internacionais, como acontecia. Ou garantir
sua boa recepção aqui e acolá, mas sobretudo ignorar essa repercussão em nome
do desastre no mercado interno dos poucos filmes que eram feitos e vistos.
Ninguém queria saber o que era o Condecine,
sua sabedoria e vantagens no sistema de produção e distribuição. Era mais
importante acabar de uma vez com o prestígio de gente como Glauber Rocha,
Nelson Pereira dos Santos ou Joaquim Pedro de Andrade. O Cinema Novo era uma
invenção de uma geração de cineastas brasileiros para manter disfarçado seu
fracasso na produção.
Mas os grandes filmes não serão esquecidos
nunca. Apesar de tudo eles serão sempre lembrados seja em que circunstância
for. “Deus e o diabo na Terra do Sol”, “Vidas secas” ou “Macunaíma” são filmes
que, alinhados a muitos outros, formam o que deve ser amado e respeitado no
cinema brasileiro.
E isso se deve aos cineastas brasileiros, os
mesmos que indicam seu evidente talento nos filmes que são fartamente citados
por aí, no mundo todo. Como os três citados acima e muitos outros que se
encontram em nossas cinematecas ou sendo exibidos em caráter especial, em
escolas ou telas especiais. É preciso voltar a ouvi-los como transmissores de
nossos valores e sobretudo de nosso testemunho do que somos, tão bem impresso
em seus filmes.
É preciso valorizar suas experiências e ouvir
o que eles têm a nos dizer.
É preciso respeitar esses, além de outros
artistas e intelectuais brasileiros capazes de compreender o país através do
audiovisual, não importam o lugar e o tempo em que esse entendimento seja
formado. Antes de tudo, é preciso ouvi-los balbuciar ou gritar o que têm a nos
dizer.
Verdade.
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