O Globo
A transição verde é cara e lenta
‘Quero que a sabotagem aconteça em escala
muito maior que a atual. Não posso garantir que isso não provoque acidentes.’ A
resposta do ativista climático sueco Andreas Malm a uma pergunta do New York
Times sobre o risco de mortes em atos de sabotagem de movimentos ambientais não
deve surpreender. Malm é autor de “How to blow up a pipeline” (“Como explodir
um oleoduto”) — livro que não ensina a destruir nada, mas defende a ideia de
ataques contra a infraestrutura de empresas de petróleo e gás. É, quase, o manifesto
do ecoterrorismo.
Vandalizar patrimônio não é matar pessoas. Contudo o raciocínio que sustenta a sabotagem serviria, também, para legitimar o passo seguinte. A lógica de fundo reside na soma de duas ideias: 1) a sobrevivência das sociedades encontra-se sob risco iminente, derivado das emissões de gases de efeito estufa; 2) os mecanismos democráticos e a diplomacia fracassaram diante do poder econômico que sustenta os padrões vigentes de produção de energia. Afinal, de que valem patrimônios e vidas se o que está em jogo é o futuro da humanidade?
Ano mais quente da História, 2023 ligou mais
uma sirene de alarme. O aclamado climatologista James Hansen declara “mais
morta que uma unha” a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 oC. Na
comunidade científica, nem todos concordam. Friederike Otto, do Imperial
College, retruca:
— No momento, o 1,5 oC está ao alcance, e
fingir o contrário apenas conduzirá a nada fazer por mais tempo ainda.
Politicamente, porém, Hansen e Otto
compartilham a crença de que nada tem sido feito. Anualmente, realizam-se
cúpulas climáticas, mas seus resultados retóricos empalidecem diante dos
gráficos de emissões. A mais recente aconteceu nos Emirados Árabes, e a próxima
será no Azerbaijão,
países cujas economias apoiam-se no petróleo e no gás. Os ativistas ambientais
perderam as esperanças no ritual diplomático das COPs, adquirindo o hábito de
denunciá-las como pura encenação. O radicalismo de Malm, um ponto fora da
curva, começa a deitar raízes em solo fértil.
Nada tem sido feito? A participação das
fontes renováveis na geração global elétrica saltou de 3% em 2008 para 15% em
2022. A produção energética renovável cresceu à média anual de 14% entre 2012 e
2022. União Europeia, Estados Unidos e China investem
pesadamente na geração eólica e solar. A participação dos carros elétricos nas
vendas totais saltou de 4% em 2020 para 14% em 2022. Inegavelmente há uma
transição energética em curso. Contudo é lenta demais. As fontes renováveis só
representam 7,5% do consumo mundial de energia.
Não só lenta. A transição verde é cara. Nos
Estados Unidos e na Europa, parcela crescente dos eleitores volta-se contra as
estratégias da transição, atendendo ao chamado de partidos da direita
nacionalista. Forma-se, aos poucos, um abismo entre o senso de urgência da
ciência climática e a disposição das sociedades em arcar com os custos da
imensa tarefa de transformação.
A responsabilidade pelo impasse é dos
governos, que apontam um fim sem indicar meios compatíveis com ele. O fato,
expresso nas projeções estatísticas, é que a expansão da geração eólica e solar
será insuficiente para substituir os combustíveis fósseis no horizonte e na
escala necessários. Mais: as oscilações naturais inerentes a tais fontes exigem
reservas de geração firme.
A resposta conhecida está em incorporar a
fonte nuclear, que não emite gases de efeito estufa, ao mix da transição verde.
Entretanto, apoiando-se na onda de medo deflagrada por Fukushima, os movimentos
ambientais conseguiram interromper os investimentos em centrais nucleares nas
democracias ocidentais. Desde 2012, a geração nuclear estagnou e, hoje, os
investimentos em novas centrais concentram-se na China, na Rússia e na Índia.
Um fim impossível — é essa a proposição que
se faz às sociedades. Dela decorrem duas reações simétricas. Numa ponta, uma
sensação geral de impotência que fertiliza a resistência aos custos da
transição. Na outra, a difusão entre os movimentos ambientais de um
catastrofismo que nutre ideologias extremadas. Muito calor, pouca luz.
Ao invés de cuidar apenas do "meio" ambiente, que tal cuidar do ambiente por inteiro? Não nos esqueçamos que "meio", além de significar "metade", significa, também, "ambiente". E "meio ambiente" seria, então, o quê? o "ambiente pela metade" ou o "meio meio"?
ResponderExcluirPerfeito
ResponderExcluirO incompetente colunista repete sua ideia de ampliar a produção e o uso da energia nuclear, que em crônica recente estendeu também para o Brasil. Hoje, pelo menos, já não explicitou esta proposta pro Brasil.
ResponderExcluirPois é...
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