segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Demétrio Magnoli - Catastrofismo climático

O Globo

A transição verde é cara e lenta

‘Quero que a sabotagem aconteça em escala muito maior que a atual. Não posso garantir que isso não provoque acidentes.’ A resposta do ativista climático sueco Andreas Malm a uma pergunta do New York Times sobre o risco de mortes em atos de sabotagem de movimentos ambientais não deve surpreender. Malm é autor de “How to blow up a pipeline” (“Como explodir um oleoduto”) — livro que não ensina a destruir nada, mas defende a ideia de ataques contra a infraestrutura de empresas de petróleo e gás. É, quase, o manifesto do ecoterrorismo.

Vandalizar patrimônio não é matar pessoas. Contudo o raciocínio que sustenta a sabotagem serviria, também, para legitimar o passo seguinte. A lógica de fundo reside na soma de duas ideias: 1) a sobrevivência das sociedades encontra-se sob risco iminente, derivado das emissões de gases de efeito estufa; 2) os mecanismos democráticos e a diplomacia fracassaram diante do poder econômico que sustenta os padrões vigentes de produção de energia. Afinal, de que valem patrimônios e vidas se o que está em jogo é o futuro da humanidade?

Ano mais quente da História, 2023 ligou mais uma sirene de alarme. O aclamado climatologista James Hansen declara “mais morta que uma unha” a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 oC. Na comunidade científica, nem todos concordam. Friederike Otto, do Imperial College, retruca:

— No momento, o 1,5 oC está ao alcance, e fingir o contrário apenas conduzirá a nada fazer por mais tempo ainda.

Politicamente, porém, Hansen e Otto compartilham a crença de que nada tem sido feito. Anualmente, realizam-se cúpulas climáticas, mas seus resultados retóricos empalidecem diante dos gráficos de emissões. A mais recente aconteceu nos Emirados Árabes, e a próxima será no Azerbaijão, países cujas economias apoiam-se no petróleo e no gás. Os ativistas ambientais perderam as esperanças no ritual diplomático das COPs, adquirindo o hábito de denunciá-las como pura encenação. O radicalismo de Malm, um ponto fora da curva, começa a deitar raízes em solo fértil.

Nada tem sido feito? A participação das fontes renováveis na geração global elétrica saltou de 3% em 2008 para 15% em 2022. A produção energética renovável cresceu à média anual de 14% entre 2012 e 2022. União Europeia, Estados Unidos e China investem pesadamente na geração eólica e solar. A participação dos carros elétricos nas vendas totais saltou de 4% em 2020 para 14% em 2022. Inegavelmente há uma transição energética em curso. Contudo é lenta demais. As fontes renováveis só representam 7,5% do consumo mundial de energia.

Não só lenta. A transição verde é cara. Nos Estados Unidos e na Europa, parcela crescente dos eleitores volta-se contra as estratégias da transição, atendendo ao chamado de partidos da direita nacionalista. Forma-se, aos poucos, um abismo entre o senso de urgência da ciência climática e a disposição das sociedades em arcar com os custos da imensa tarefa de transformação.

A responsabilidade pelo impasse é dos governos, que apontam um fim sem indicar meios compatíveis com ele. O fato, expresso nas projeções estatísticas, é que a expansão da geração eólica e solar será insuficiente para substituir os combustíveis fósseis no horizonte e na escala necessários. Mais: as oscilações naturais inerentes a tais fontes exigem reservas de geração firme.

A resposta conhecida está em incorporar a fonte nuclear, que não emite gases de efeito estufa, ao mix da transição verde. Entretanto, apoiando-se na onda de medo deflagrada por Fukushima, os movimentos ambientais conseguiram interromper os investimentos em centrais nucleares nas democracias ocidentais. Desde 2012, a geração nuclear estagnou e, hoje, os investimentos em novas centrais concentram-se na China, na Rússia e na Índia.

Um fim impossível — é essa a proposição que se faz às sociedades. Dela decorrem duas reações simétricas. Numa ponta, uma sensação geral de impotência que fertiliza a resistência aos custos da transição. Na outra, a difusão entre os movimentos ambientais de um catastrofismo que nutre ideologias extremadas. Muito calor, pouca luz.

 

4 comentários:

  1. Ao invés de cuidar apenas do "meio" ambiente, que tal cuidar do ambiente por inteiro? Não nos esqueçamos que "meio", além de significar "metade", significa, também, "ambiente". E "meio ambiente" seria, então, o quê? o "ambiente pela metade" ou o "meio meio"?

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  2. O incompetente colunista repete sua ideia de ampliar a produção e o uso da energia nuclear, que em crônica recente estendeu também para o Brasil. Hoje, pelo menos, já não explicitou esta proposta pro Brasil.

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