O Estado de S. Paulo
O que ocorrer com o americano em 2024 será apresentado como um espelho de Bolsonaro e seu grupo
Deve-se sempre ministrar uma dose de
ceticismo à ideia de que tendências políticas propagam-se como ondas através
das fronteiras, com eleições em um país influenciando votações em outro. Em
alguns casos, porém, essa influência pode existir, ainda que apenas pelo
simbolismo ou pela imitação de estratégias de campanha.
Em 2015, os venezuelanos foram às urnas para
a difícil missão de derrotar o chavismo nas eleições legislativas. No dia do
pleito, este colunista ouviu de eleitores em Caracas que eles se sentiram
incentivados a sair de casa para votar por inspiração dos argentinos que, uma
semana antes, haviam derrotado o kirchnerismo nas urnas.
Em 2016, Donald Trump ganhou a presidência explorando insatisfações do eleitorado americano semelhantes àquelas que levaram os britânicos a decidir pelo Brexit meses antes.
Lula e Jair Bolsonaro já demonstraram a
intenção de reeditar, nas eleições municipais deste novo ano, a polarização da
campanha presidencial de 2022. Eles acreditam serem capazes de eleger prefeitos
graças à influência que exercem sobre seus apoiadores.
O discurso a gente já conhece. Pelo lado do
petista, todos que estiverem associados a Bolsonaro serão colocados na
categoria do mal absoluto. Pelo lado do bolsonarismo, haverá uma tentativa de
replicar em nível municipal a ideia de que o “sistema” favorece a esquerda. É
aí que Donald
Trump entra na campanha pelas prefeituras
brasileiras.
Assim como ocorreu no período em que
exerceram a presidência simultaneamente, o que quer que aconteça com o
americano ao longo de 2024 será apresentado como um espelho de Bolsonaro e de
seu grupo político.
Acusações mirabolantes de fraude eleitoral
serão adaptadas à realidade brasileira. Decisões judiciais que impeçam Trump de
disputar um segundo mandato, como as que já ocorreram em dois Estados, serão
apresentadas como evidência de que, lá como aqui, a esquerda joga sujo para
impedir que a direita governe.
Já eventuais sucessos de Trump durante a
campanha serão usados para energizar o campo bolsonarista, mostrando que, se é
possível enfrentar o tal “sistema” no país mais poderoso do mundo, o mesmo
poderá ser feito nas cidades brasileiras.
Esse simbolismo já está sendo explorado nas
comemorações bolsonaristas à eleição de Javier Milei, o novo presidente
antissistema da Argentina. Com Trump, a comparação ganha um rosto mais
conhecido e o timing perfeito. •
Concordo.
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