O Globo
Até as pedras sabiam que o presidente
francês, Emmanuel
Macron, se opunha ao acordo de comércio da União Europeia com o Mercosul,
mas, ao anunciar que as negociações deveriam ser interrompidas, ele jogou
pesado. Uma coisa é divergir, o que vem acontecendo desde que as conversas
começaram, há 25 anos. Outra é fechar a porta. No século passado, americanos e
vietnamitas negociavam em Paris,
enquanto Hanói e
Haiphong eram bombardeadas.
Macron falou grosso porque agricultores
franceses sitiaram Paris. Bloqueada, a cidade tem três dias de comida. Sua
atitude foi truculenta, porém compreensível. Na França, enfrentar os
agricultores é suicídio. Eles defendem seus interesses.
O petardo partiu da assessoria de Macron:
— Entendemos que a comissão instruiu seus
negociadores a encerrar a sessão de negociação em andamento no Brasil e, em
particular, a cancelar a visita do vice-presidente da comissão, em que estava
prevista para haver uma conclusão.
Quem ficou pendurado na brocha foi Lula, com
sua diplomacia palanqueira. Quando a França mostrou sua má vontade, ele disse:
— Fiz um apelo ao Macron para deixar de ser
tão protecionista.
Não se pode saber se Lula acredita que,
fazendo apelos ou se metendo numa disputa como as da Ucrânia ou
de Gaza, sua
presença altera o quadro. É possível que acredite, mas é provável que tenha
começado a cair na real.
Na noite de 30 de outubro de 2022, quando
Lula derrotou Bolsonaro, foi festejado internacionalmente e pode ter visto no
aplauso um reconhecimento pessoal. Um dos primeiros a felicitá-lo foi Macron.
Enganou-se. Como ocorreu com parte dos seus 60 milhões de votos, aplaudia-se a
ida de Bolsonaro para casa. De lá para cá, Lula desperdiçou um pedaço de seu
patrimônio internacional.
Na agenda do comércio, falas do tipo “fiz um
apelo ao Macron” iludem quem o apoia e fazem rir quem está do outro lado da
controvérsia. Um fabricante de automóveis brasileiro considera-se elogiado
quando um concorrente o acusa de ser protecionista ao defender a taxação dos
carros importados. O agricultor francês é protecionista, com muito orgulho, e
se mexe quando o governo pensa em ferir seu negócio.
É no aspecto da ilusão interna que Lula
deveria calibrar sua retórica e, noutro patamar, a turma do agronegócio
brasileiro deveria redesenhar seu discurso.
No ano que vem, realiza-se em Belém a
Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30. Em um ano de
governo, Lula mostrou que o Brasil abandonou a condição de pária orgulhoso e
tem números para mostrar o efeito de seu trabalho. Daqui até lá, estará fraca a
pilha do antibolsonarismo, que tanta energia ainda dá ao governo.
Há fortes sinais de que a turma que joga com
as pretas pretende demonizar uma parte do agronegócio brasileiro. Seria uma
linha parecida com o joelhaço de Macron. Se os interessados do lado de cá se
derem conta de que chamá-los de protecionistas é um elogio, o Brasil poderá
sair bem da COP30.
(Faça-se de conta que não interessam as dificuldades logísticas de Belém para receber uma reunião desse tamanho. Se o governo começar a trabalhar esse assunto hoje, elas poderão ser superadas.)
Sim.
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