Folha de S. Paulo
Autarquia federal continua ignorando ciência
e atuando como linha auxiliar do bolsonarismo
Ah, o Conselho Federal de Medicina... O órgão colocou em sua página na internet uma enquete para aferir a opinião de médicos sobre a vacinação contra a Covid-19 em crianças que está dando o que falar. Várias organizações, como a SBPC e a Sociedade Brasileira de Imunizações, questionam a iniciativa, que já virou objeto de ação judicial. A polêmica não é sem motivo.
O questionário do CFM parece ter sido
desenhado para, se não lançar dúvidas sobre a imunização, ao menos para
estimular a recusa paterna. Não é de hoje que o CFM se tornou linha
auxiliar de promoção do bolsonarismo. A autarquia ainda defende a
prescrição "off label" de cloroquina para Covid. Fá-lo em
nome da autonomia médica. Mas tentou há pouco baixar uma resolução que limitava
severamente a autonomia de médicos para receitar canabidiol "off
label", um dos princípios ativos da maconha que vem sendo cada vez mais
utilizado —e com base em evidências, ainda que não inteiramente conclusivas em
todos os casos. Os problemas do CFM no que diz respeito a validações
científicas não são uma novidade. Basta lembrar que ele reconhece a homeopatia
como especialidade médica.
Penso que o CFM tem um problema de desenho
institucional. Ele tem uma natureza híbrida. É ao mesmo tempo uma entidade que
zela por interesses de classe e uma autarquia com poderes normativos, inclusive
o de arbitrar questões científicas. E, se faz sentido utilizar eleições para
compor órgãos de classe, encarregados, por exemplo, de manter tribunais éticos,
isso já não vale para questões científicas. Uma droga funciona ou não
independentemente do que os médicos pensem dela.
Acho que deveríamos cogitar de um novo
desenho para o órgão, separando melhor matérias corporativas das normatizações
científicas, que deveriam ser mais profissionalizadas. O sujeito pode ser um
ótimo cirurgião e não saber a estatística necessária para avaliar ensaios
clínicos.
Exatamente!
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