Folha de S. Paulo
Reação de parlamentares a mudança de
entendimento da Receita Federal ilumina problema fiscal brasileiro
A bancada da Bíblia está revoltada porque a Receita Federal voltou a entender que clérigos devem pagar contribuições previdenciárias como outros profissionais. Não duvido de que haverá revide contra o governo Lula. Não estou certo, porém, de que a mudança no entendimento da Receita tenha sido uma decisão política da administração. Lula costuma apostar na tática do apaziguamento, como se vê com os militares. Penso que a Receita fez o que fez por princípios republicanos mesmo. A decisão do governo Bolsonaro, de 2022, às vésperas da campanha eleitoral, que ampliou as isenções para a turma das igrejas é que era exorbitante e indevida.
Esse pode até ser um caso menor, mas vai à
essência da encrenca fiscal em que o Brasil se meteu. São vários os atores e
setores que se sentem melhores que os demais. Quando detêm poder político, dão
um jeito de inscrever em lei vantagens para si. Pouco importa que passem como
um trator por cima do princípio republicano básico de que a lei deveria ser
igual para todos.
Digo isso com conhecimento de causa. Em 2009,
num experimento jornalístico, criei a
Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio, que me fez vislumbrar o
jardim das delícias da imunidade tributária e outras regalias. O investimento
de algumas centenas de reais e despesas cartoriais me deu o direito, por
exemplo, de fazer aplicações financeiras sem pagar impostos. Publicada a reportagem,
dei início ao penoso processo de fechar a igreja.
Meu ponto é que, se não conseguimos fazer
valer a igualdade republicana, cada cidadão deve abrir sua própria igreja. A
base teológica está dada. Se, como defendia Lutero,
é possível estabelecer um relacionamento pessoal com Deus, então cada indivíduo
é o templo de si mesmo, fazendo jus à imunidade tributária inscrita na
Constituição. O problema dessa ideia é que os poucos impostos que sobrariam
precisariam ter alíquotas de mais de 100%.
Pois é.
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