sábado, 20 de janeiro de 2024

Rodrigo Zeidan* - Ilhas de excelência

Folha de S. Paulo

O que fazer para acertar uma nação? Fatiar os problemas em pedaços manejáveis ou terapia de choque são opções

Convidado para uma palestra com executivos e políticos do Zimbábue, o pedido da plateia foi direto: qual o primeiro passo para acertar o país? Mas nada de diagnósticos e planos grandiosos. Ninguém ali era inocente a ponto de achar que platitudes como "acabar com a corrupção, diminuir o déficit público e melhorar a coleta de impostos" eram soluções para nada.

A inflação na época estava em 600% ao ano e ninguém aguentava mais discutir diagnósticos. Queriam soluções práticas. Minha sugestão, que passamos a discutir com profundidade, foi a de criação de ilhas de excelência no setor público, para fatiar os problemas em pedaços manejáveis.

Outra opção é tentar uma terapia de choque, mas sem boa preparação, qualquer plano econômico muito ambicioso em uma economia frágil é fadado ao fracasso. Usei como exemplos de ilhas de excelência o Banco Central brasileiro, a Embrapa e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), instituições onde a maioria dos funcionários trabalha decentemente, o nível de corrupção, se houver, é ínfimo, e há alguma proteção das instituições contra as ideias mais tresloucadas dos presidentes.

São instituições super eficientes? Não, mas para um país de renda média, instituições que fazem seu trabalho sem sugarem recursos públicos loucamente são uma vitória (os maiores erros do BNDES vieram da política econômica do governo e não de dentro da instituição, mesmo que muitos funcionários tenham surfado na euforia).

É mais ou menos a mesma coisa em relação à segurança pública no Brasil e no mundo. Entre milícias, outros grupos de crime organizado, uma das maiores taxas de homicídio (e desigualdades de renda) do mundo, presídios lotados onde as pessoas são tratadas como animais, corrupção em partes das polícias, Judiciário lento e ineficiente e outros problemas, por onde começar? Criar ou fortalecer parte do instrumental público para combater parte do problema já seria um grande avanço.

Contrastei isso com os exemplos da Operação Mãos Limpas, da Itália, e a Lava Jato, no Brasil. No primeiro caso, mesmo sem ser perfeita, a operação surtiu efeito. Por exemplo, Daniele e coautores (2020), em artigo publicado no Journal of Public Economics, mostram que os municípios que tiveram políticos investigados pela operação ficaram menos corruptos no longo prazo.

Era isso também que esperávamos da Operação Lava Jato, mas de instituição competente e bem intencionada, não havia nada. Ainda assim, vislumbramos um pouco o que seria um Brasil com políticos com medo de serem pegos como corruptos; com certeza, estaríamos melhor hoje se as instituições por trás da Lava Jato tivessem funcionado como deveriam.

Em relação ao Zimbábue, concordamos que talvez começar com o Banco Central ou o Ministério da Fazenda seria o ideal em termos de política macroeconômica, mas os detalhes seriam trabalhados por eles. Afinal, quem conhece a realidade local sabe muito bem onde estão os maiores gargalos.

Por aqui, sabemos blindar instituições contra o pior da corrupção brasileira. Se um problema, como a segurança, parece amplo demais, melhor fatiá-lo. No bom sentido. A questão é decidir por onde começar. Focar nos presídios, saindo do modelo americano de punição para um modelo europeu de reabilitação? Limpar parte da polícia, pouco a pouco? Não importa onde começamos, vai ser difícil e demorar. Mas não tem outro jeito.

*Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

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