Folha de S. Paulo
Regulação das redes sociais não basta para
conter extremismo doméstico
Na manhã de 19 de abril de 1995, Timothy
McVeigh, veterano da Guerra do Iraque, estacionou um caminhão carregado de
explosivos diante de um prédio da administração federal, em Oklahoma. Acendeu
o pavio e saiu andando. A história do atentado que matou 167 pessoas, entre
elas 15 crianças de uma creche, é contada pelo escritor e comentarista político
Jeffrey Toobin no livro "Homegrown: Timothy McVeigh and the rise of
right-wing extremism" (Criação doméstica: Timothy McVeigh e a ascensão do
extremismo de direita).
O autor sustenta que, longe de ser um franco-atirador insano, McVeigh foi produto de uma cultura de extrema direita em formação. Décadas depois, ela alimentaria as fantasias de violência entre os seguidores de Donald Trump e, em seu nome, invadiriam o Capitólio em 2021. Muito antes que as redes sociais os difundissem em tempo real, ali já estavam seus elementos definidores: o culto às armas e a plena liberdade de portá-las; o supremacismo branco; o horror ao governo federal; uma versão primitiva de nacionalismo; o fanatismo religioso; a política como conspiração.
Aqui, passado um ano da invasão da praça dos
Três Poderes por hordas bolsonaristas no infame
8/1, dois excelentes documentários, matérias jornalísticas, informações
extraídas do inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal e estudos acadêmicos
têm dado a conhecer a natureza da extrema direita tupiniquim, seu caráter
policlassista, suas formas de sociabilidade e sedimentação de valores, pavores
e paixões comuns.
Como nos Estados Unidos, o extremismo de
direita encontrou nas redes sociais importante instrumento de construção de
identidade e de mobilização política. Mas, ao contrário do original
norte-americano, sua ascensão na arena pública nacional é contemporânea do
predomínio avassalador da interação por meio virtual. Mesmo assim, as
estruturas que sustentam a cultura política extremista são mais numerosas,
diversas e enraizadas na vida social. Incluem emissoras de rádio, canais de TV,
jornais e revistas de alcance variado, igrejas, associações privadas, clubes e
todo tipo de organizações comunitárias.
Por isso, é ilusão imaginar que a contenção
do extremismo doméstico e a estabilidade da democracia possam ser garantidos
com a regulação das redes sociais, como parecem crer algumas de nossas
autoridades. A definição do que é tolerável nas redes, tão importante para o
convívio civilizado, demanda um equilíbrio sutil que assegure a liberdade de
expressão.
Requer, em suma, uma discussão serena,
incompatível com a ideia de que daquela definição depende a sobrevivência da
democracia.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Pois é.
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