O Globo
Não se pode invadir as sedes do governo e ir
para casa depois, como se estivesse tudo bem
No plano político, a reação ao 8 de janeiro tem sido bem-sucedida, culminando com a cerimônia marcada para amanhã em Brasília. Não se poderia mesmo deixar que entrasse no rol das coisas banais, como querem muitos, a rebelião organizada na Praça dos Três Poderes. O objetivo, está mais do que claro, era criar um clima propício à deflagração de um golpe. Como não conseguiram a adesão do Alto-Comando das Forças Armadas, embora tivessem de alguns de seus membros, planejaram a baderna para permitir que esses adesistas minoritários apoiassem o golpe diante do caos instalado. É verdade que o ato de amanhã mais parece uma reunião governista do que de Estado. A ausência de governadores do Sul e do Sudeste, apoiadores de Bolsonaro, indica que existe uma resiliente força política que não pretende avalizar a cerimônia, negando-lhe a finalidade de “defesa da democracia”.
Até pouco tempo atrás, não havia os que
assumissem uma crítica aberta ao governo pela organização da manifestação de
amanhã, embora muitos a atribuíssem a uma suposta politização, a uma
manipulação de fatos para dar densidade à atual administração. Os governadores
deram desculpas esfarrapadas para a ausência: férias, exames médicos,
obstáculos corriqueiros que deveriam ser superados pelo compromisso político de
apoiar a democracia. Só nos últimos dias começou a ser quebrada essa
resistência, diante da necessidade de um posicionamento mais claro. O
governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, resolveu ir à manifestação. Um
grupo de senadores, liderados por Rogerio Marinho, soltou uma nota criticando a
movimentação governista, atribuindo-a a uma politização partidária contra o que
não passou de uma baderna espontânea. À medida que o caráter institucional da
cerimônia de amanhã – com a presença dos presidentes dos três poderes e dos
comandantes das Forças Armadas – ficou claro, seus opositores sentiram-se compelidos
a dar um caráter político às suas ausências, desistindo de desculpas prosaicas,
ou comparecendo. Não será surpresa se governadores ainda relutantes derem as
caras em Brasília.
O do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, ganhou
de Lula uma boa desculpa. Ao acusa-lo de estar em conluio com o ex-presidente
Bolsonaro, provocou uma reação indignada que dá base à sua recusa em participar
da cerimônia. Os que assumem a tosca narrativa de que houve uma baderna, mas
não havia planejamento nem objetivo além do de protestar, julgam que as pessoas
são idiotas. Claro que a baderna tinha um objetivo: criar um clima que
favorecesse o golpe. Não foi espontânea, pessoas alugaram ônibus no país inteiro,
os acampamentos em frente aos quartéis tinham o apoio financeiro que permitia
que lá permanecessem com apoio logístico e moral. No respaldo dos
acontecimentos de um ano atrás. Surgiu a revelação de que um dos objetivos dos
revoltosos seria prender o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre
de Moraes – considerado o inimigo número um dos baderneiros – mas não há
informações que validem uma outra hipótese levantada: a de que alguns queriam
mesmo enforca-lo na Praça dos Três Poderes. O próprio ministro disse não ter
levado a sério essa última ameaça.
Mas dizer que o 8 de Janeiro não foi uma
tentativa de golpe é pelo menos um erro de interpretação. Fizeram tudo aquilo
com a intenção de chamar a parte do Exército golpista a assumir o poder. Não
deu certo, mas a ideia era essa – não era apenas quebrar e ir para casa. E a
reação está sendo muito correta e rigorosa como devia ser. Não é possível achar
que se pode invadir o Supremo, o Congresso, o Planalto e tudo bem. Toda
rebelião tem consequências, para um lado ou para outro. Ainda bem que deu
errado para quem estava querendo um golpe. Os relatos do que aconteceu naquele
dia são impressionantes. Não se pode brincar com essas coisas, nem inimizar o
que aconteceu. Foi gravíssimo. A investigação tem que chegar rapidamente a quem
planejou, a quem financiou.
Exatamente.
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