O Globo
A decadência ocidental seria aprofundada com
o retorno de Trump ao poder nos Estados Unidos com uma política voltada para
dentro, sem levar em conta sua responsabilidade com o Ocidente.
A possibilidade cada vez mais concreta de que
Donald Trump venha a ser eleito novamente presidente dos Estados Unidos
desarranja toda a organização internacional, hoje submetida a uma lógica que
esbarra na imprevisibilidade do futuro líder americano e levaria a uma
decadência do mundo ocidental como nós conhecemos.
O desprezo de Trump pela Otan e sua
indissimulável simpatia por autocratas como Putin levam a ser provável que a
Ucrânia perca o apoio na guerra contra a invasão russa. Trump disse que a
guerra não drenaria tanto dinheiro dos Estados Unidos — o que provoca a reação
do eleitorado conservador —, pois ele se entenderia com Putin.
Trump também já demonstrou aonde pode chegar ao revelar uma conversa com o presidente francês Emmanuel Macron em que supostamente o humilhou, realimentando a humilhação com a divulgação pública anos depois. Jactando-se, disse que ameaçou a França com a taxação de 100% das importações de vinhos se Macron não desistisse de taxar manufaturados americanos, conseguindo dobrar o presidente francês.
A decadência ocidental seria aprofundada com
o retorno de Trump ao poder nos Estados Unidos com uma política voltada para
dentro, sem levar em conta sua responsabilidade com o Ocidente. Encontraria o
mundo tendendo a uma política liderada pela China. O reforço do Brics com novos
países como Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos e Irã explicaria a
decisão inusitada do governo Lula de apoiar a acusação de genocídio liderada
pela África do Sul contra Israel no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia.
Dos países fundadores do Brics, tidos como
futuros líderes mundiais, três se encontram entre as dez maiores economias do
mundo: China, Índia e Brasil. Um quarto, a Rússia, mexe com o tabuleiro do
mundo em sua guerra geopolítica, e a África do Sul agora lidera esse movimento
contra Israel, mais uma ação em oposição aos Estados Unidos.
Trump já disse que Israel só foi atacado
porque os Estados Unidos são hoje, no governo democrata de Biden, vistos como
um país enfraquecido. A posição muitas vezes dúbia do governo brasileiro em
relação à invasão da Rússia na Ucrânia mostra claramente a dificuldade que
nossa política externa tem em criticar seu companheiro de Brics.
Os movimentos na direção de uma futura
hegemonia dos países emergentes num mundo não antiocidental, mas mais próximo
da China e de outros polos de poder, levam em conta a possibilidade de um
futuro em que os Estados Unidos ainda ditarão as normas, mas enfraquecerão a
Europa em troca do crescimento do isolacionismo favorecido por uma política
endógena americana.
O fortalecimento político do Brics está na
raiz da ação sul-africana na Corte de Haia e do apoio do Brasil, mas os demais
países mantêm-se cautelosos. Índia, China e Rússia não apoiaram a ação, mas não
a condenaram. Como nos governos anteriores, o terceiro governo de Lula usa a
política externa para fazer uma ponte com a esquerda internacional e países
autoritários como a Rússia, enquanto internamente desagrada à esquerda em
diversos momentos, como na condução da política econômica.
Além de apertar os laços com vizinhos como a
Venezuela, mesmo à custa de aceitar um calote formidável como o da refinaria
Abreu e Lima, que será retomada depois de já ter consumido o dobro do previsto,
o governo brasileiro tenta ampliar seu espaço de influência num possível mundo
mais ligado ao Oriente político.
Não se trata mais apenas de apoiar ditaduras
de esquerda como Cuba ou Venezuela, mas de ter presença em polos de influência
que se formam fora do eixo dos Estados Unidos, embora não rejeitando as
relações bilaterais. A provável ascensão de Trump ao poder neste ano deve
trazer problemas políticos graves para essas relações, tendo em vista a ligação
ideológica quase fraternal de Trump com Bolsonaro.
■■■Nós podemos mais que vislumbrar hoje o que o fortalecimento do setor autoritário do mundo acarretará amanhã.
ResponderExcluir=》E eu vejo um objetivo muito mais cúmplice nesta associação dos populistas das economias emergentes com os ditadores::
■São as democracia que estão sendo ameaçadas mesmo, nestas articulações dos autoritários.
Jesus,Maria e José!
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