O Globo
A volta de Marta ao PT mostra que as teses
petistas tentando reescrever a História recente, por serem fantasias políticas,
não encontram respaldo nos fatos.
Não creio que a chapa Boulos-Marta tenha
semelhanças com a vitoriosa Lula-Alckmin. Não se trata de um político de
centro-direita se juntando a um líder de esquerda para derrotar extremistas.
Boulos é um ex-extremista de esquerda que evoluiu para a esquerda tradicional,
enquanto Marta Suplicy é uma política de esquerda que veio para o centro e, no
máximo, pode ser classificada de centro-esquerda.
Quase uma chapa puro-sangue, enquanto a vencedora em 2022 sinalizava um governo de união nacional que ainda não se viabilizou. A volta de Marta ao PT mostra, isso sim, que as teses petistas tentando reescrever a História recente, por serem fantasias políticas, não encontram respaldo nos fatos. O propalado “golpe” contra a então presidente Dilma Rousseff, que a retirou do poder por um processo de impeachment supervisionado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), teve o apoio do voto de Marta, então no MDB. E o novo ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, foi quem presidiu o processo contra Dilma, avalizando-o.
O máximo que Lewandowski, então presidente do
Supremo, conseguiu fazer, como a referendar sua simpatia pelo governo de então,
foi chancelar uma interpretação teratológica da Constituição, trazida pelo
então presidente do Senado, Renan Calheiros, incluindo uma vírgula inexistente
no original constitucional para interpretar que o impeachment não seria seguido
pela perda de direitos políticos. Isso permitiu a Dilma disputar em seguida a
eleição para o Senado por Minas Gerais, sendo fragorosamente derrotada pelo
eleitor.
Se Dilma é até hoje homenageada pelos
petistas como vítima de um “golpe parlamentar”, a ponto de ganhar, como prêmio
de consolação, a presidência do banco do Brics — que lhe dá direito a viajar de
primeira classe pela Emirates, como qualquer outro presidente de banco, como
ela mesmo lembrou, orgulhosa da mordomia —, como os que votaram a favor dele,
ou o avalizaram, podem ser considerados companheiros leais?
Muitos outros deputados e senadores que
votaram contra Dilma hoje circulam pelo poder sem ser cobrados por suas
posições. Seria bom se isso significasse mudança de rumo petista, mas só
ressalta que a incoerência do PT se revela diante da dificuldade do partido
para lidar com a realidade.
A acusação de que o então juiz Sergio Moro,
ao aceitar ser ministro da Justiça de Bolsonaro, revelou sua intenção de
impedir que Lula o vencesse na disputa presidencial que Bolsonaro ganhou em
2018 é tão frágil que se voltou contra o próprio partido na escolha de
Lewandowski para o mesmo Ministério da Justiça, depois de ter se aposentado do
Supremo.
O convite do presidente Lula seria uma
retribuição a Lewandowski, a quem já classificou de um companheiro leal? Qual a
diferença entre um juiz assumir o ministério da Justiça, e um ministro
aposentado do Supremo, que tem um histórico de votos a favor de Lula, assumir o
mesmo ministério?
Se a nomeação de Flávio Dino para a vaga de
Lewandowski tem o sentido de dar uma conotação política à escolha para o STF,
como ressaltou Lula recentemente, isso não equivale a Bolsonaro anunciar que
nomearia um ministro “terrivelmente evangélico” para representá-lo no Supremo?
Não é preciso entrar no mérito das nomeações,
nem desqualificar os escolhidos, para entender que, enquanto o PT se mantiver
na sua posição ideológica, sem se preocupar com as consequências de suas
denúncias e acusações, continuará escancarando sua incoerência. Lula procura
ampliar esse comportamento sendo mais flexível que o PT, que engole todas as
decisões do grande líder.
Embora o governo de união nacional não tenha
se viabilizado ainda, e Lula faça concessões às alas mais radicais
esquerdistas, como no caso da acusação de genocídio contra Israel na Corte
Internacional de Justiça, em Haia, o futuro do PT depende de Lula. Sem ele, o
PT se transformará num partido menor, como PDT ou PTB. São reflexões provocadas
pelas atitudes dos petistas diante da realidade, que é mais difícil do que
supõe a vã ideologia.
Merval tentando igualar o inigualável.
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